Em 31 de janeiro de 2023, os atores Ralph Fiennes, Isabella Rossellini e Stanley Tucci estavam em Roma filmando o longa Conclave quando foram jantar no restaurante L’Eau Vive.

Em funcionamento desde 1969 em um antigo palazzo, o restaurante é administrado por freiras carmelitas francesas e serve clássicos da culinária daquele país, como queijo de cabra assado com amêndoas e canard à l’orange.

Durante a refeição, Isabella contou que sua mãe, Ingrid Bergman, adorava frequentar o local, não só pela comida e pelo serviço, mas porque era um lugar pouco badalado – fora do radar dos paparazzi.

A certa altura, os comensais receberam folhetos com letras de hinos religiosos e foram encorajados pelas freiras a acompanhá-las na cantoria. “Foi comovente e lindo,” escreve Tucci nas primeiras páginas de O que eu comi em um ano – e outras reflexões, que chega ao Brasil mês que vem pela Editora Intrínseca.  

Bom, se você é como eu e nunca jantou numa terça-feira qualquer com atores mundialmente conhecidos, em um restaurante romano, e de quebra entoou canções em francês com um grupo de religiosas, você também será fisgado pelo novo livro de Tucci, conhecido por filmes como O Diabo Veste Prada, Spotlight e Um Olhar do Paraíso.

Ao longo da carreira, Tucci foi indicado aos maiores prêmios da TV e do cinema, mas não seria exagero afirmar que nos últimos anos ele se tornou mais conhecido por sua paixão pela comida do que pelas atuações.

Sua autobiografia, Sabor – Minha vida através da comida, lançada em 2022, se tornou um best-seller, e ele também é autor de livros de receita e apresentador de programas em que percorre a Itália em busca de delícias gastronômicas (um trabalho duríssimo…). Em seu Instagram, que tem quase 5,5 milhões de seguidores, a comida também reina soberana.  

O que comi em um ano, seu quarto livro, é escrito como um diário – o que é instigante no início, mas pode se tornar cansativo ao final das mais de 330 páginas. Minha sugestão para saboreá-lo é que a leitura seja feita aos poucos, intercalando com outros livros, e não de forma contínua.

Com um texto leve e bem-humorado, enquanto relata o que comeu ou cozinhou, Tucci filosofa sobre o crescimento dos filhos, o envelhecimento dos pais, a importância da arte. Boa mesa, para ele, é sinônimo de vida.  

Algumas das memórias gastronômicas mais marcantes para o autor naquele ano são refeições pantagruélicas, como o jantar de Ação de Graças – que levou dois dias para preparar com a esposa, Felicity (irmã da atriz Emily Blunt): além do peru, cozinharam cinco tipos de legumes, salada, pão de milho e outros pratos. 

Iguarias como ostras e trufas aparecem de quando em quando ao longo das páginas. Uma profusão de coquetéis e vinhos são mencionados – seus preferidos são os pinot noirs, não só pela suavidade mas porque o tratamento de um câncer de língua a que foi submetido em 2018 diminuiu sua produção de saliva e comprometeu a degustação de vinhos com tanino muito acentuado.  

Uma das refeições que merece descrição mais detalhada acontece no finalzinho do ano, em 28 de dezembro, na casa de campo do cineasta Guy Ritchie, no interior da Inglaterra. 

A propriedade mais parece um cenário de Downton Abbey. Durante o dia, parte dos convidados, vestidos em ternos de tweed feitos sob medida, se dedicam a caçar faisões. À noite, o grupo se delicia com um jantar que inclui patês, saladas, carnes de caça e um peixe (pregado) que foi servido um pouco antes do ponto. 

Ritchie pergunta a Tucci se ele achava que o peixe deveria voltar para o forno a lenha; o ator responde que sim. Ambos rumam para a cozinha, e Ritchie, com a ajuda de uma pá de pizza, desliza o peixe para dentro do forno. Poucos segundos são necessários para que ele fique no ponto, com a pele crocante e a carne suculenta. Anfitrião e convidado ficam tão fascinados com o resultado que comem o peixe na bancada da cozinha, usando apenas as mãos, e esquecendo por completo os outros comensais. 

Mas são as lembranças das refeições prosaicas as que mais me chamaram a atenção. Uma das minhas favoritas é um café da manhã substancioso que ele preparou depois de uma sessão puxada de exercícios físicos. (Para manter-se em forma mesmo com essa comilança, Tucci pratica ioga, pilates e musculação de cinco a seis vezes por semana).

“Fiz uma omelete com dois ovos, um pouco de manteiga e azeite de oliva. Comi com anchovas e tomate fatiado, tudo dentro de uma baguete amanteigada aquecida. Meu Deus. Sério. Meu Deus”, ele escreve, me fazendo salivar. 

Os pratos mais simples parecem ter um certo “gosto de família”. Em casa, Tucci costuma preparar massas quase singelas, com molho de manteiga e queijo, ou de tomates com atum. Improvisa com o que tem na geladeira, usa sobras e faz sopas reconfortantes como minestrone (uma das poucas receitas do livro).

Sua versão da madeleine proustiana é uma salada de folhas de dente de leão com ovos cozidos e vinagrete, receita que o leva de volta à infância e a refeições com os pais e os avós. A maioria de seus dias é encerrada com um jantar em casa e na companhia da esposa, uma agente literária tão apaixonada por comida quanto ele (e a idealizadora do livro). “O tempo que se passa na cozinha com alguém que amamos é um tempo bem aproveitado,” afirma.  

O livro também elenca ainda uma série de restaurantes que Tucci frequentou ao longo do ano – alguns, já seus conhecidos, como o Riva, em Londres, onde comemorou seu aniversário saboreando prosciutto, lagostins e risoto.

Outros são descobertas que fez em viagens, como o  Julien, na Moldávia, comandado por um jovem chef que já trabalhou em alguns estrelados de Paris. Segundo Tucci, a comida estava tão boa que o chef foi aplaudido ao final da refeição.

Elegante, o autor não cita os nomes dos estabelecimentos que o desapontaram, mas não poupa críticas a um tipo de comida que realmente abomina: a de avião. Nem o que é servido em salas vip escapa ao seu horror. “Olho o bufê…Sei que jamais conseguirei apagar aquela imagem da mente,” escreve sobre o que viu – e obviamente não tocou – no lounge da American Airlines em Chicago.

Cristiane Correa é jornalista e escritora.