Tanto o Wall Street Journal quanto o Financial Times fizeram críticas severas aos SPACs nas últimas semanas, sugerindo que esses veículos de investimento são nada menos que uma bolha que estaria estourando.
Esta visão é infundada, e reflete tanto a antipatia de certas instituições – especialmente as grandes gestoras de private equity – com um produto disruptivo ao seu modelo de negócios, quanto o (ainda) baixo conhecimento dos investidores sobre os SPACs.
Como muitos leitores já sabem, uma Special Purpose Acquisition Company (SPAC) é um veículo que permite uma parceria direta entre uma equipe de investimento (os chamados patrocinadores) e um pool de investidores institucionais do mercado público.
Através do IPO do SPAC, este pool de investidores fornece à equipe patrocinadora uma determinada quantia de dinheiro a ser usada para encontrar uma empresa atraente para uma fusão – dentro de um período que varia entre 18 e 24 meses.
A equipe patrocinadora arca com o custo do veículo público e, se conseguir realizar um bom investimento, seu ganho é considerável. No entanto, se a equipe patrocinadora não conseguir comprar um alvo, perderá a quantia não desprezível que gastou para montar e administrar o veículo de investimento público até sua fusão final.
Variantes do SPAC existem há mais de 30 anos. A novidade agora é o volume. Um produto que esteve por muito tempo à margem subitamente se tornou popular nos últimos dois anos: mais de 600 SPACs foram listados nas bolsas dos EUA durante esses dois anos (contra uma média anual de 25 SPACs nos 5 anos anteriores).
Como excessos sempre causam preocupações a reguladores de mercados, os SPACs estão sob maior vigilância regulatória e com razão.
A difusão de uma inovação financeira exige adaptações no caminho da maturidade. No entanto, a julgar pelas manchetes que comparam a ascensão do SPAC a uma bolha financeira, podemos estar correndo o risco de jogar o bebê fora junto com a água do banho.
Os SPACs podem oferecer um novo, eficiente e vasto conjunto de recursos para complementar as classes de ativos existentes e fornecer capital para empresas privadas em crescimento além do estágio de capital de risco inicial.
De fato, para a empresa alvo da fusão, o SPAC é um produto superior ao private equity, pois a listagem resultante da fusão reversa com o SPAC proporciona um prêmio de liquidez à empresa (fechada) alvo da fusão. Além disso, como a listagem decorre de uma simples transação de M&A, é uma alternativa mais barata e rápida, além de implicar uma divulgação muito menor de dados confidenciais do que o IPO tradicional.
Os SPACs também são disruptivos porque representam uma ameaça competitiva para a indústria global de private equity, que cresceu enormemente monopolizando os retornos potenciais das fases de crescimento mais rápido das empresas.
Assim, os SPACs incentivam o crescimento dos mercados públicos, oferecendo ao investidor de equities uma oportunidade alternativa aos IPOs tradicionais para acesso a ativos de rápida valorização. Para as bolsas públicas de todo o mundo, eles prometem reverter o declínio constante no número de empresas listadas, reflexo do crescimento dos fundos de private equity.
Existem, portanto, muitas características positivas que explicam a escala e o apelo deste produto, mas para entender suas dores de ajuste atuais, é preciso primeiro entender sua estrutura de financiamento.
Empreendedores de boa reputação – e que acreditem poder achar grandes empresas para se fundir – podem decidir correr o risco de financiar os custos de instalação de um SPAC. Portanto, não é surpresa que os SPACs tenham atraído – além de inevitáveis aventureiros que procuram “tentar a sorte” – um número crescente de grande empresários e profissionais competentes como patrocinadores.
Isto é um ponto importante, pois quase tudo na proposta dos SPACs depende da qualidade da equipe patrocinadora (os sponsors). O maior risco para um investidor em um SPAC é que suas equipes patrocinadoras não consigam encontrar alvos de fusão interessantes.
Outro elemento importante na construção de um SPAC bem sucedido é ter o suporte das melhores máquinas de subscrição e distribuição de ações de Wall Street para buscar os investidores mais alinhados com a proposta dos sponsors.
Entretanto, em um ambiente de juros extremamente baixos, vários underwriters foram buscar capital muito além do conjunto de investidores institucionais em ações que estariam naturalmente alinhados à tese de investimento de longo prazo da equipe patrocinadora.
Assim, a base de investidores do SPAC foi ocupada de forma significativa por um conjunto de fundos de hedge, arbitragem e situações especiais. Esses não são os detentores ideais para as ações que os SPACs trazem ao mercado, mas é esse grupo de instituições que se tornou a âncora da maioria dos IPOs dos SPACs pois, como as ações do SPAC podem ser resgatadas pelos investidores antes da fusão, estes investidores viram o SPAC como uma aplicação de renda fixa com uma opção em ações.
Com a propagação das expectativas de aumento da inflação e das taxas de juros de curto prazo durante 2021, esta distorção na base de investidores acabou por criar fragilidades. O impacto da expectativa de juros altos sobre a percepção de risco dos tradicionais investidores em equity afetou o preço das ações e levou à indigestão no mercado de IPOs – incluindo os de SPACs.
Pior: à medida que as expectativas de aumento de juros começaram a se materializar, os resgates antecipados do grande número de investidores especulativos levaram a um rápido encolhimento do capital total de grande número de SPACs, com estes investidores exigindo maior remuneração para permanecer no jogo, transformando o investidor do IPO em um caçador de maiores spreads mantendo sua opcionalidade gratuita.
Assim, para fechar as fusões, os SPACs estão tendo que fazer grandes concessões a novos investidores – os investidores PIPE – para cobrir as perdas do volume de resgate, tornando esses investimentos títulos de dívida híbridos, quando não emitem conversíveis para fechar as fusões.
Finalmente, é importante notar que o estresse recente nos mercados de ações e a onda de resgates não foram a única causa dos problemas atuais no mercado de SPACs. Muitos deles chegaram ao mercado com equipes improvisadas e teses de investimento parecidas.
Mais importante, quase todos os SPACs estão focados em tecnologia, 95% deles centrados nos EUA, e muitos sem histórias longas ou sem receita, o que cria um excesso de capital perseguindo relativamente poucos alvos no mercado dos EUA. Entretanto, esse risco temporário não deve afetar SPACs focados em empresas e em outras geografias, que ainda são poucos.
Winston Fritsch é professor de Economia, empresário e consultor, e foi Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.