O Grupo Soma e a Cia. Hering chegaram a um acordo para combinar seus negócios, uma transação que une a marca de vestuário mais democrática do Brasil à ambição do Soma de se tornar a principal ‘house of brands’ brasileira, pessoas envolvidas nas conversas disseram ao Brazil Journal.
A transação — que será anunciada ainda hoje — avalia a ação da Hering, que fechou sexta-feira pouco acima dos R$ 22, em cerca de R$ 33, em linha com níveis pré-covid e um prêmio de quase 100% sobre o valor da companhia antes da oferta da Arezzo&Co, que se tornou pública há menos de duas semanas.
A Soma está pagando R$ 5,1 bilhões pela Hering: R$ 1,5 bi em dinheiro e R$ 3,6 bi em ações. Os acionistas da Hering ficarão com cerca de 34% da companhia combinada.
Fabio Hering terá um assento no conselho, e seu filho Thiago, que se tornaria CEO na próxima assembleia, continuará liderando a marca.
O Soma, que negocia a 30 vezes o lucro estimado para este ano, está pagando cerca de 23x o lucro normalizado da Hering — a companhia lucrou R$ 220 milhões/ano nos três anos anteriores à covid.
O múltiplo não inclui sinergias de custo e de receita — estimadas pelos assessores em cerca de R$ 200 milhões/ano — nem os frutos do turnaround, que a Hering espera começar a colher nos próximos trimestres.
A fusão marca uma renovação do mercado de capitais brasileiro, retirando da Bolsa uma companhia de 140 anos — cuja fundação precede a própria República e que atravessou todos os altos e baixos do País — e aumentando o protagonismo do Soma, que fez seu IPO há menos de um ano e agora se consolida como um grupo do luxo ao básico.
O racional estratégico do Soma tem diversos pilares, começando por aumentar a percepção de valor da marca Hering, que hoje não vive todo seu potencial.
O Soma pretende colocar a expertise em estamparia da marca Farm a serviço da Hering, aumentando a variedade e o apelo dos produtos sem aumentar o preço médio. Por meio de ‘collabs’ e coleções-cápsula — parte do dia-a-dia da Farm — a Hering terá produtos que hoje não constam de seu portfólio.
As sinergias industriais também são relevantes. O Soma vê o parque industrial da Hering como um diferencial competitivo para diversas linhas de produto, permitindo ganhos em custo e em lead time — em outras palavras, tornando as coleções mais rápidas e responsivas.
Uma terceira frente é a digitalização da Hering.
O Soma acha que pode ajudar a aumentar brutalmente a venda digital captada pela companhia, fazendo mais com menos. Enquanto a Hering pretende investir R$ 130 milhões em tecnologia este ano, o Soma vai investir menos de R$ 40 milhões e tem uma venda digital mais robusta.
Segundo pessoas que conhecem a operação, o Soma tem uma série de produtos digitais ‘plug and play’ que poderão ser usados na Hering. O principal objetivo: permitir a integração completa dos estoques das quase 800 lojas e quase 8 mil multimarcas que trabalham com a Hering — aumentando a disponibilidade de produtos na rede independentemente de onde estejam os estoques.
Outra derivada do digital: a oferta de serviços financeiros. O CRM da Hering tem uma base de 8 milhões de clientes ativos, comparado a 1,2 milhão no Soma. A companhia vê oportunidade de gerar valor com wallets, cartão de crédito e a venda de outros serviços financeiros.
Finalmente, a aquisição expande significativamente o mercado endereçável do Soma — e em dois sentidos: a companhia entra no casual e no básico, até agora ‘white spaces’ em seu portfólio, e passa a operar um price point mais baixo. O tíquete médio da Farm (a marca mais acessível do grupo) na época do IPO era de R$ 290, enquanto o da Hering é ao redor de R$ 150.
A transação, aprovada pelo conselho da Soma ontem à noite, vem 11 dias depois que a Hering deu publicidade a uma oferta não-solicitada que recebeu da Arezzo&Co, que avaliava a companhia em cerca de R$ 3,2 bilhões ou R$ 20 por ação.
A divulgação daquela oferta colocou a Hering na vitrine e acelerou a aproximação entre o CEO do Soma, Roberto Jatahy, e Fabio Hering, segundo pessoas próximas aos dois CEOs.
As duas companhias já se falam informalmente pelo menos desde 2015, quando a Hering estudou comprar a Farm e a Animale, e Jatahy pensou numa fusão como forma de fazer um IPO reverso do Soma.
A Hering é a mais recente transação de um modelo associativo que está dando resultados para o Soma, expandindo seu portfólio com uma série de M&As que tem conseguido preservar a identidade e a alma das marcas.
Lá atrás, na transação que deu origem ao grupo, a Animale se associou à Farm quando esta não estava em seu melhor momento. Hoje, a Farm é a grande estrela do portfólio (maior que a própria Animale) — em boa parte porque o Soma foi capaz de manter os fundadores empoderados e alinhados.
Fazendo jus ao nome do grupo, Jatahy também não teve medo de diluir sua participação no grupo. Com a transação de hoje, ele passará a deter pouco mais de 10% do capital da companhia combinada (contra 16,2% antes do deal).
G5 Partners e Santander assessoraram o Soma.
BR Partners assessorou a Cia. Hering.
O assessor jurídico da Soma foi o Mattos Filho, enquanto a Hering foi assistida pelo Machado Meyer.