“Só não perdi a vida porque eu confio em Deus.”

Foi assim que Dona Maria Bezerra, 74 anos, explicou a uma voluntária do nosso projeto Amigos do Bem o momento em que a chuva invadiu sua casa e destruiu tudo o que ela levou uma vida inteira para construir.

“Guarda-roupa, armários, documentos, coberta, alimentos e até as lembranças: foi tudo embora; eu só fiquei com a roupa do corpo,” lamentou.

Assim como Dona Maria, encontrei milhares de outras pessoas nessas mesmas condições quando estive na Bahia, no mês passado, para uma ação emergencial humanitária dos Amigos do Bem nas regiões de Itabuna, Ibicaraí, Ubaitaba e Aurelino Leal.

O Estado tem hoje 850 mil pessoas atingidas pelas chuvas desde dezembro, segundo a Sudec (Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia). Ao todo, 26 pessoas morreram e 520 ficaram feridas. Os desabrigados ultrapassam os 26 mil.

Os números são alarmantes, mas quando os transformamos em histórias de vida, eles se tornam ainda mais devastadores. Afinal, são 26 mil pessoas que perderam suas casas e absolutamente todos os bens que levaram uma vida inteira para conquistar, na maior enchente dos últimos 32 anos.

Reunimos 100 voluntários para essa ação e distribuímos 1,5 tonelada de alimentos, roupas e itens de higiene pessoal para mais de 50 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças.

Em alguns municípios, fomos o primeiro grupo de ajuda humanitária a chegar. Até então, os moradores estavam contando apenas uns com os outros. Mais do que doações, levamos o que é fundamental em tragédias como essa: acolhimento e esperança.

Percorremos todos os municípios com um caminhão palco: rimos, choramos, cantamos e rezamos juntos.

Fomos embora da Bahia certos de que, mesmo em meio a tanta tristeza, conseguimos levar uma mensagem de fé, esperança e de dias melhores para pessoas como o Seu Luiz Cavalcante, que encontrei sentado na calçada na rua onde morava. A casa dele foi uma das que desabou com a chuva. “Por onde eu vou recomeçar com 82 anos?” ele me perguntou com a voz embargada e lágrimas que se misturavam ao suor no rosto.

Senti muito orgulho ao também receber na Bahia voluntários vindos do sertão, pessoas que passaram fome e que, transformadas pelo nosso projeto, puderam sentir o prazer e a alegria de ajudar o desconhecido. Me faz lembrar que o bem se desenvolve, se multiplica. Acredito que fazer o bem é a sensação de dever cumprido; é um compromisso com a vida.

Nascida em São Paulo, me lembro da minha primeira viagem ao sertão nordestino, em 1993, quando comecei o projeto dos Amigos do Bem. A fome e a miséria me marcaram de tal maneira que eu nunca mais fui a mesma; e então decidi agir: na época, como empresária e fundadora de uma grande empresa, passei a me dividir entre a companhia e o projeto social, que hoje impacta a vida de milhares de pessoas do sertão, dando dignidade, oportunidades e a perspectiva de um futuro diferente.

Só a indignação não é suficiente. É preciso transformar a indignação em ação. Agir é fundamental.

Há 30 anos, percorremos o sertão para combater a miséria e a seca; paradoxalmente, desta vez, enfrentamos o sofrimento causado pelo excesso de chuvas. Isso mostra que não importa o contexto, o que nos impulsiona a trabalhar é o amor ao próximo. E amar é ter empatia, se colocar no lugar do outro e acolher o seu sofrimento.

Mais um ano está começando. Este artigo é o meu convite à solidariedade, à empatia e ao propósito de agir em prol do bem. Porque quando nos tornamos pessoas melhores, somos melhores pais, profissionais, amigos, e construímos uma sociedade mais justa para todos. Passamos a ser protagonistas da mudança.

Alcione Albanesi é empresária, empreendedora social e fundadora dos Amigos do Bem.

 

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