Carl Icahn – que fez fortuna e se tornou um ícone de Wall Street apontando seu estilingue ativista contra CEOs e empresas – agora está sentindo na pele o que é ser vidraça.
Icahn está sendo acusado de recorrer a um esquema Ponzi, similar a pirâmides financeiras, para inflar o pagamento de dividendos de sua gestora, a Icahn Enterprises.
Quem acusa é a Hindenburg Research, uma empresa focada em posições short e que já disparou contra outros ícones como o conglomerado indiano Adani Group, que teria manipulado o preço de suas ações, e a Block Inc., de Jack Dorsey.
As ações da Icahn Enterprises – o veículo de investimento de Icahn que é listado em Bolsa – desabaram 20% ontem após a publicação do documento na terça-feira, o maior tombo do papel num único dia. No final do pregão de hoje, a ação cai mais 20%.
Hoje com 87 anos, Icahn talvez seja o mais celebrado corporate raider dos EUA ainda vivo.
Como um investidor ativista, seus fundos compram grandes posições em companhias depreciadas – ou com estratégias que ele julga erradas – e depois atuam para reformular a gestão.
Por meio de várias entidades, Icahn e seu filho Brett controlam 85% da Icahn Enterprises, que, antes do tombo nos últimos dois dias, tinha um market cap de US$ 18 bilhões.
A Hindenburg esmiuçou como a Icahn Enterprises poderia sustentar o pagamento de dividendo de US$ 2 por trimestre, que se traduz num dividend yield de 15,8% – um valor anormal para uma large cap. Segundo a análise, nenhuma outra companhia de capital aberto supera os 10%.
Pelas estimativas da Hindenburg, antes da publicação do relatório as ações da Icahn Enterprises estavam “infladas” em 75%, com um prêmio extraordinário em relação a empresas similares.
Antes da queda, a Icahn Enterprises negociava com um prêmio de 218% em relação ao seu net asset value, muito acima dos pares. A Hindenburg também cita evidências de que os ativos menos líquidos do portfólio estão com seu valuation inflado e diz que a companhia já havia sofrido perdas adicionais em sua carteira desde sua última divulgação de resultados.
Para efeito de comparação, veículos de investimento similares, como a Third Point, de Dan Loeb, e a Pershing Square, de Bill Ackman, negociam com descontos de respectivamente 14% e 35% em relação ao valor líquido de seus ativos.
O que explicava então o prêmio exuberante? Simples: o fato da Icahn Enterprises ter um free float dominado por investidores de varejo, essencialmente pessoas físicas fascinadas com o dividendo “de outro mundo” oferecido pela empresa e encantados pela possibilidade de se sentir “investindo com Carl Icahn.”
Segundo a Hindenburg, o fluxo de caixa e a performance do portfólio da Icahn não sustentam sua política de dividendos. A empresa acumula resultados negativos em sua carteira de investimentos, com perda de 53% desde 2014, e, nesse período, queimou US$ 4,9 bilhões de caixa.
“A despeito de sua performance negativa, a Icahn elevou os dividendos três vezes desde 2014,” diz a Hindenburg. “A elevação mais recente ocorreu em 2019, quando a distribuição trimestral subiu de US$ 1,75 para US$ 2 por ação. Nesse mesmo ano, o free cash flow ficou negativo em US$ 1,7 bilhão.”
Essa rentabilidade, conclui a Hindenburg, não vem sendo obtida de maneira kosher, e só é possível porque os acionistas atuais estão sendo remunerados com o dinheiro de novos acionistas que compram papéis da empresa – o que, se comprovado, faria da Icahn Enterprises uma pirâmide clássica.
Para sustentar os dividendos, a companhia costuma vender units a preços de mercado, totalizando US$ 1,7 bilhão desde 2019.
A Hindenburg aponta o dedo para o Jefferies, o único grande banco de investimentos com cobertura das ações da Icahn – e com um ‘buy’ eterno no papel.
“Em um dos piores casos de comportamento do sellside que já vimos, os analistas do Jefferies assumem que, em todos os casos – mesmo em seu cenário bear – os dividendos da Icahn estão garantidos na perpetuidade, apesar de o banco não oferecer base alguma para essa suposição,” escreveu a Hindenburg.
Piorando as coisas: desde 2019, apenas um banco coordenou todas as ofertas de units da Icahn: o Jefferies.
Em resposta às alegações, Icahn disse que o relatório “serve apenas ao intuito da Hindenburg de lucrar com suas posições a descoberto” – isto é, apostando na queda do papel. O Jefferies não comentou.
A Icahn Enterprises deve se pronunciar na sexta-feira, quando apresentará seus resultados trimestrais e fará uma call com o mercado.