Ao longo de pelo menos três décadas, Nevaldo Rocha disse a quem quisesse ouvir que mudanças na governança da Guararapes eram ‘desnecessárias’, e só aconteceriam no dia em que ele, o fundador da empresa, não estivesse mais entre os vivos.
Ontem à noite, a teimosia deu lugar ao bom senso, e a holding das Lojas Riachuelo disse que vai acabar com sua estrutura antiquada de duas classes de ações — pavimentando o caminho para uma valorização imediata da empresa, uma potencial adesão ao Novo Mercado e, mais à frente, outras mudanças defendidas por acionistas minoritários.
A Guararapes vai propor uma relação de troca de 1 ação PN (não votante) para cada ação ON, juntando-se a empresas como Vale, Suzano e Via Varejo, que fizeram ou estão fazendo a migração para o segmento de mais alta governança da Bolsa.
A conversão vai turbinar a liquidez do papel, hoje extremamente baixa, colocando a Guararapes no radar de investidores institucionais — o que deve justificar um múltiplo maior e reduzir o desconto da companhia em relação às Lojas Renner, sua concorrente mais valorizada.
A Guararapes faz metade do lucro da Renner, mas, na Bolsa, vale apenas um terço da concorrente (R$ 8,7 bilhões vs. R$ 26,7 bilhões, no fechamento de ontem).
Hoje, 89,7% das ações preferenciais e 75,6% das ações ordinárias estão nas mãos de seu Nevaldo e seus três filhos — Flávio, Élvio e Lisiane. No caso de uma adesão ao Novo Mercado, a regra da B3 exige que pelo menos 25% do capital seja detido por acionistas não controladores, o que forçaria a família a vender uma pequena fatia da empresa após um período de ‘waiver’ da Bolsa.
A migração para o Novo Mercado também forçaria um salto na governança na empresa, que hoje tem apenas três conselheiros: os três filhos de Nevaldo.
Nos últimos anos, o grande empecilho para a entrada da Guararapes no Novo Mercado sempre foi seu Nevaldo. O comerciante sem estudos que criou do zero uma das maiores varejistas do Brasil tem um apego muito grande ao negócio e sempre foi contra a migração.
Nos últimos anos, no entanto, pessoas próximas à família começaram a sinalizar que seu Nevaldo estava se tornando mais maleável, ouvindo mais os filhos.
No ano passado, Flávio Rocha — à época CEO da Riachuelo — chegou a afirmar que a empresa estava estudando a entrada no Novo Mercado. Mas a festa não durou muito: menos de 24 horas depois, a Guararapes soltou um comunicado desmentindo o presidente.
A decisão pode abrir o caminho para outros movimentos com que os acionistas minoritários sempre sonharam, incluindo a venda do shopping Midway, o maior de Natal, avaliado em cerca de R$ 1 bilhão.
“A alocação de capital pode melhorar muito,” diz um acionista da empresa. “Além do shopping, eles têm 50 lojas próprias, e a Midway Financeira tem mais de 30 milhões de cartões e 7 milhões de cartões ativos. Com tudo que está acontecendo com bancos digitais aí, eles podem pensar em realizar valor aí.”
Por enquanto, só a mudança de ideia de seu Nevaldo, aos 89 anos, já é um ótimo começo.