A primeira vez que Charles Scharf encontrou Jim Cramer, o CEO do Wells Fargo não demorou 30 segundos para dizer ao apresentador de TV: “You don’t know what you’re talking about”. Na segunda vez que encontraram, depois de alguns minutos Charlie cravou: “You still don’t know what you’re talking about.”
“Ele é muito, muito duro, mas eu adoro ele,” Cramer disse recentemente, ao recomendar a ação do banco.
Charlie Scharf foi CEO da Visa por quatro anos e do BNY Mellon por dois, mas agora, no comando do Wells Fargo há apenas um ano, está diante do desafio de sua vida: consertar um banco cuja reputação foi dinamitada por uma série de escândalos, cujo balanço se deteriorou com o impacto econômico da pandemia, e que opera sob restrições do Fed que estão lhe custando bilhões.
No preço do fechamento de sexta-feira (US$ 24,79), o Wells Fargo está negociando a níveis de 2011 e parece uma barganha.
Mas até seu maior e historicamente paciente acionista já achou que basta. Na sexta-feira, a Berkshire Hathaway informou à SEC que vendeu mais de 40% de sua posição e agora tem cerca de 3,3% do banco (avaliado em cerca de US$ 3,4 bi).
A Berkshire está vendendo na baixa: o papel do banco está caindo quase 50% este ano. Para efeito de comparação, o Bank of America cai 10%, o JP Morgan, 11% e o Citi, 24%. A maioria dos bancos comerciais americanos negocia hoje abaixo do valor patrimonial, exceto JP Morgan e BofA.
É verdade que o Wells Fargo não é o único banco que a Berkshire vendeu. Buffett tem reduzido seus stakes no JP Morgan e no PNC Financial e zerou sua participação na Goldman — mas comprou mais Bank of America e já tem 11% do banco. Mas a posição histórica da Berkshire no Wells Fargo — que já teve a melhor a reputação do setor — aumenta a simbologia da venda.
Os escândalos do Wells Fargo começaram há quatro anos, quando descobriram que o banco abrira 1,5 milhão de contas falsas e emitira 500 mil cartões de crédito sem a permissão dos clientes. O banco demitiu 5.300 funcionários por terem aberto as contas, e o CEO teve que renunciar. (Sete meses depois, o banco admitiu que o número de contas falsas podia chegar a 3,5 milhões). Em seguida, outro escândalo: clientes acusaram o banco de forçá-los a comprar seguros de automóveis e de cobrar taxas indevidas em suas hipotecas. No ano passado, funcionários disseram ao The New York Times que o banco ainda os pressiona para espremer o cliente de todo jeito.
Em julho, o banco fez uma provisão recorde de US$ 9,6 bilhões, causando seu primeiro prejuízo trimestral desde 2008. O banco, que já havia provisionado US$ 3,8 bi no primeiro tri, também cortou o dividendo de US$ 0,51 para US$ 0,10.
“Nossa visão da duração e severidade da crise econômica se deteriorou consideravelmente em relação às premissas usadas no último trimestre,” Charlie disse na ocasião.
O CEO anunciou que pretende cortar pelo menos US$ 10 bilhões/ano em custos, reduzir o número de camadas do management e os recursos gastos em atividades não prioritárias. O Wells Fargo é o quarto banco americano em ativos, mas tem a maior folha de pagamentos do setor — 266 mil funcionários — e as demissões devem começar ainda este ano.
Desde que assumiu, Charlie já contratou seis executivos para o senior management — pelo menos três do JP Morgan — e fez vários diretores trocar de área.
O conselho do Wells Fargo também está mudando.
Apenas dois dos atuais conselheiros estavam no board antes de 2017, e muitos dos que foram substituídos não tinham experiência no setor financeiro. Desde que Charlie se tornou CEO, o board acolheu quatro novos nomes — e todos passaram a maior parte de suas vidas em algum banco.
Mas o maior problema que Charlie precisa resolver está em Washington.
No início de 2018, o Federal Reserve Board passou a limitar o crescimento do Wells Fargo — limitando o banco à base de ativos que ele tinha ao final de 2017 — uma punição para forçar o banco a lidar com seus escândalos. O Fed disse que a restrição duraria “até o Wells Fargo melhorar sua governança, controles e supervisão por parte do conselho.”
A sanção imposta pelo Fed está se transformando numa das punições mais caras já aplicadas por um regulador. A Bloomberg estimou que o banco já deixou de lucrar cerca de US$ 4 bilhões desde que a sanção foi imposta.
“O cálculo é baseado em quanto mais o banco poderia ter ganho se seus ativos simplesmente crescessem na mesma taxa e lucratividade dos concorrentes — não inclui os bilhões que o banco está gastando em restruturar suas operações nem o impacto de longo prazo em sua franquia,” diz a revista American Banker. “Com a pandemia, o banco teve dificuldade em atender o aumento na demanda por financiamento corporativo e teve que rejeitar alguns depósitos, potencialmente enviando clientes aos concorrentes.”
O desafio de consertar o Wells Fargo vai determinar o futuro de Charlie, sempre considerado um potencial sucessor de Dimon no JP Morgan.
Mal saíra da faculdade, Charlie foi contratado por Dimon, à época o CFO de Sandy Weill no Commercial Credit, uma financeira de Baltimore.
Era o final dos anos 80, e Weill, Dimon e Bob Lipp, o ex-CEO do Chemical Bank, estavam no início de uma trajetória que usaria o Commercial Credit — que Weill comprara por meros US$ 7 milhões — como trampolim para criar o maior conglomerado financeiro do mundo.
Por meio de uma série de M&As ao longo de 10 anos (incluindo a compra da Travelers Insurance, Primerica e Salomon Brothers), as “três lendas”, como Charlie se refere a eles, construíram o Travelers Group para em seguida fundi-lo com o Citicorp em 1998 numa transação de US$ 76 bilhões que pela primeira vez uniu um banco comercial a um banco de investimentos.
Scharf trabalhou com o trio de perto e ocupou vários papéis, incluindo o de CFO da Salomon Smith Barney aos 30 anos. Mais tarde, trabalhou com Dimon no JP Morgan.
Agora, o ápice de sua carreira está umbilicalmente ligado ao preço da ação do Wells Fargo.