A Selic está no nível mais elevado em 19 anos, e o juro real roda acima de 8%.

Ainda assim, o Banco Central deveria dar um novo aperto de 0,25% na reunião do Copom da próxima semana, disse Fabio Kanczuk, um ex-diretor de Política Econômica do BC e hoje diretor de macroeconomia do ASA, nesta entrevista ao Brazil Journal.

O novo aumento, disse o economista, será importante para evitar um fechamento mais acentuado na curva curta de juros – a principal referência para o custo do crédito – em um momento de expectativas de inflação acima da meta de 3% nos próximos anos. 

Para Kanczuk, o BC havia sinalizado que iria interromper o ciclo de alta, mas nas últimas semanas parece ter revisto a avaliação e deverá optar por uma alta de 0,25. 

“Tinha muita gente falando, ‘Tá louco, vai parar? Não vai fazer o trabalho’,” disse Kanczuk. 

06 12 Fabio Kanczuk ok

O economista, que ficou no BC de 2019 a 2021, estima que o juro real neutro da economia brasileira seja hoje de 8%, com “o fiscal pior que o da Dilma e um mundo mais complicado” – um número bem acima da atual estimativa de 5% do BC.  

A seguir, os principais trechos da conversa. 

O mercado está divido se haverá nova alta no Copom da próxima semana. Por que você acredita que o BC deveria subir mais 0,25? Faz diferença, no atual estágio do ciclo de aperto? 

Falando de maneira geral, 0,25 é importante sim, faz diferença – é mais um pouco de juros, é assim que funciona a política monetária. 

No momento atual, essa alta adicional seria particularmente importante porque o juro que importa para a economia não é a Selic – é o juro de mercado de um ano e meio, dois anos para frente. Esse é o juro que afeta os empréstimos. 

Mesmo com a Selic em 14,75%, esse juro de mercado está abaixo de 14%. A curva curta de juros está invertida, com todo mundo prevendo queda da Selic em breve. 

Se ele parar – e ele está convencido de que o juro já é alto para caramba – o que vai acontecer com a curva de juros? O pessoal vai amassar essa curva de juros. Vamos estar com 13,5%, daqui a pouco 13%. 

Mas se o BC der mais 0,25 de alta, o mercado vai reavaliar: ‘Ele não ia parar e começar a cortar? Será que podem subir mais?’ 

Então há um efeito sobre a curva de juros, que é o que importa – e esse efeito é forte dando 0,25. O BC coloca um questionamento no mercado.

Agora, se a Selic for mantida, aí os gringos vêm babando. ‘Vamos todos para lá porque a gente amassa essa curva.’ 

Esse negócio da curva é importante para caramba, e é por isso que o trabalho de comunicação do Banco Central é fundamental. 

O BC não pode coordenar as expectativas com a comunicação, sem mexer na Selic? 

Pode. Quer parar em 14,75%? Então faz o forward guidance. Promete que não vai cortar os juros a menos que a expectativa de inflação fique em 3%. Promete, escreve. 

Mas precisa cumprir, senão perde a reputação. Daí ele consegue segurar a curva. 

Se ele não fizer forward guidance, com toda a influência política e a eleição se aproximando, ele não vai conseguir o efeito pretendido. 

Na ata da última reunião, o Copom projetou que no cenário de referência a inflação será de 4,8% este ano e de 3,6% em 2026, portanto acima da meta de 3%. Se ele parar agora, como é que fica? Revê a projeção?

Eu não sei o que está rolando lá dentro. Mas eu estou cismado faz um tempão com as projeções. 

Se você quer parar – e eu fiquei com essa impressão ao ler o comunicado – por que colocar a projeção em 3,6%? 

Põe em 3%. Projeção tem um lado que é modelo e tem um lado que é julgamento. Aí você faz projeção de 3,6% e indica que vai parar? Eu não entendo. 

Que comunicação é essa? Pô, não projeta isso. Dá a sensação de que quem faz a projeção, o Diogo [Guillen, diretor de Política Econômica], é dissidente.

O Diogo fala, ‘Puxa, o modelo está dando 3,6%.’ E ninguém fala para ele, ‘Muda essa isso e põe 3% aí.’ Ele está solto, essa é a impressão que dá. 

Eu não tinha essa soltura toda [quando era diretor de Política Econômica], eu botava um negócio, e os caras me amassavam. O Bruno [Serra, ex-diretor de Política Monetária] e o Roberto [Campos Neto, ex-presidente do BC] diziam, ‘Não pode deixar essa projeção aí, está louco?’ E daí tinha que mudar a projeção. 

Agora, se o Diogo falar, ‘Não quero parar, quero continuar subindo os juros,’ vão falar para ele, ‘Poxa, Diogo, se a gente votar separado, vai ser um caos, o Brasil vai reagir de forma horrível.’ 

É verdade, vai ser mesmo. 

Mas qual a sua avaliação, vão parar ou vão dar mais 0,25? 

Acho que sobe. Mas o mais interessante, para mim, é por que vão subir. 

Se você me perguntasse logo quando saiu o Copom passado, eu diria que eles iriam parar. Escreveram no comunicado coisas típicas de quem vai parar – frases como ‘defasagem da política monetária’ e outras que foram usadas antes quando o BC parou. Ele copiou essas frases para dizer que vai parar. 

E daí, de três semanas para cá, o discurso dele [Galípolo] mudou.

Pensei: ‘Esse cara vai subir. Mudou o discurso.’ 

E daí as pessoas perguntam: ‘Por que ele mudou o discurso?’ 

Não houve nenhum dado econômico novo que justificasse uma mudança. 

Para mim, ele mudou o discurso porque ele escutou… A melhor resposta é essa. 

Ele escutou um monte de gente, eu inclusive, falando para ele que devia subir – e ele se assustou. 

Eu não consigo nenhuma outra história para explicar a mudança. E não é necessariamente ruim.

O Galípolo é influenciado pela Faria Lima, não é preso a ideias fixas. 

Tinha muita gente falando, ‘Tá louco, vai parar? Não vai fazer o trabalho.’ 

No meu modelo de Galípolo, tem a Faria Lima de um lado e o Lula do outro. O Lula sempre quer corte de juros. A Faria Lima às vezes vai para um lado e às vezes para o outro, é mais difícil de saber. 

Gabriel Galipolo

Só consigo achar que ele mudou porque ele escutou o que estavam falando por aí. Não é errado. 

É meio isso que eu estou achando. Nada de econômico. 

Talvez ele esteja falando para o Lula, ‘Eu vou subir agora, mas depois vai cair muito mais rápido.’ 

Ele pode estar falando isso para o Lula. 

O aumento do IOF não tem peso no custo do crédito? Isso não pode contribuir para evitar a alta da Selic? Alguns estimam um impacto equivalente a 0,25 de Selic. 

Na minha conta, isso é minúsculo, um efeito muito pequeno. 

Eu cheguei em 5 pontos base, 6 pontos, e não nos tais 25 que estão falando. 

E IOF não é assunto de juros, é assunto de barbeiragem. Não imaginavam que ia pegar tão mal. 

Parece ter sido a maneira que acharam para compensar a frustração das receitas que todos sabiam que não iam se realizar, como a expectativa de arrecadação com a mudança no CARF [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais]. 

Qualquer economia do mundo estaria em depressão com o nível de juros do Brasil. Mas o País continua crescendo. O que explica isso? Por que os juros precisam subir ainda mais, quando outros países já estão cortando? 

São duas perguntas aí. Uma é por que o Brasil é tão estranho, outra é por que agora o Brasil está comparativamente pior. 

Começando pela segunda. O fiscal agora é pior do que o fiscal da Dilma. Eles estão gastando mais, a dívida está crescendo mais rápido e a dívida está mais alta do que o da Dilma. 

O juro real internacional nos tempos de Dilma era zero. Agora está em 1,5%. Já está maior.

Daí quando eu ponho um fiscal hoje pior do que o da Dilma, o juro de equilíbrio dá alto mesmo. 

O número que eu tenho de juro neutro é 8%, em termos reais. Quanto está agora? Uns 8,5%, um pouco acima do neutro. 

Para o BC, o juro neutro é 5%. 

Não entendo a razão, cada um tem suas manias. O BC está com o neutro em 5%, eu estou com 8%. O fiscal é muito ruim, em um mundo mais complicado. 

No [Governo] Temer a gente achava que o neutro era menos que 3%, agora está 8%. Uma porrada. 

Essa é a situação conjuntural. Mas por que então o Brasil é um país estranho, de juros tão elevados? 

São três fatores. Um deles é o próprio fiscal. 

Em crescimento da dívida, a gente só perde dos Estados Unidos. Entre os emergentes, o Brasil é campeão. A gente é extraordinariamente irresponsável no fiscal. 

Outro fator é o crédito subsidiado. O BNDES voltou, com umas metodologias diferentes, por meio de fundos privados, um bicho super difícil de mapear. Fundo de infraestrutura, fundo de não sei o que lá.

Eles tiram do orçamento e conseguem dar dinheiro via esses fundos privados. Não sei por que chama privado, porque é público, mas chama privado. E daí fica fora do orçamento. A Selic não consegue afetar isso. 

O terceiro fator – e é meio irritante falar isso – é que nossa aposentadoria é muito generosa. 

Você vai dizer, ‘Está de sacanagem!’ 

O que significa isso? Para o cara mediano no Brasil, o replacement ratio, que é quanto ele ganha depois de aposentado como proporção do quanto ele ganhava antes na ativa, é de 80%. O cara se aposenta ganhando 80% de segurança social. 

Isso desincentiva a poupança privada e faz o juro ser alto. A China está exatamente na ponta oposta. Os chineses não têm Previdência, precisam poupar como loucos. Lá sobra poupança. 

Então o Brasil é estranho por causa disso aí: risco fiscal, crédito subsidiado e previdência generosa.