Churchill disse certa vez que “o gim e a tônica salvaram mais vidas, e mentes, de homens ingleses do que todos os médicos do Império britânico.”

Mais de meio século depois, o destilado vive uma espécie de “ginaissance”: suas vendas crescem mais do que qualquer outro destilado, e seu apelo atrai empreendedores criando novas marcas.

Londrino por excelência, o gim andava bastante decadente até ser redescoberto nos clubes de Ibiza há cerca de dez anos. Em meio a uma onda retrô, o clássico drink Gim Tônica voltou a ser servido em taças, como nos tempos da Belle Époque.

Há quem atribua o sucesso da bebida, sobretudo entre as mulheres, à fama de relativamente baixo teor calórico. E também à popularidade de séries britânicas na Netflix, como The Crown e Downton Abbey.

Modismos à parte, o gim sempre foi um clássico em Buckingham Palace: a Rainha Elizabeth toma gim com Dubonnet todos os dias antes do almoço. E, à noitinha, não dispensa um Dry Martini.

Versátil e rico em aromas e sabores botânicos, o gim agora é o destilado preferido de muitos mixologistas – os mestres da coquetelaria que criam misturas sofisticadas para novos drinks – antigamente conhecidos como barman, ou simplesmente ‘o cara do bar’.

Assim como acontece com as cervejas artesanais, o gim vive um boom de microdestilarias em todo o mundo.

Produzido a partir da infusão de zimbro (uma pequena plantinha encontrada no norte da Europa com propriedades anti-séptica) e outras especiarias a uma mistura de água e álcool, o gim se destila relativamente rápido uma vez que não é preciso envelhecer.

São as especiarias e suas combinações que conferem personalidade a cada rótulo.

Mas para que as microdestilarias pudessem florescer, foi preciso derrubar uma lei de 1751, o Gin Act. A bebida ficou démodé por tanto tempo que até então ninguém havia se preocupado em revogá-la.

O empresário Sam Galsworthy, que era do ramo de cervejas artesanais, fez lobby e derrubou a lei, transformando, em 2009, a Sipsmith na primeira destilaria a abrir as portas em Londres em quase duas décadas.

Hoje já são mais de 315 destilarias artesanais na Inglaterra. Só no ano passado, foram lançados 50 novos rótulos.

O gim foi levado da Holanda para a Inglaterra pelos soldados que lutaram a Guerra dos Trinta Anos, no século 17. Preços baixos, excesso de oferta e um produto de péssima qualidade levaram a um frenezi de consumo – e a um verdadeiro caos social.

A primeira metade do século 18 foi um período trágico na história de Londres que ficou conhecido como Gin Craze (1720-1751): as ruas da cidade foram transformadas numa grande cracolândia (uma ‘ginolândia’). A bebida era então conhecida como ‘Mother’s Ruin’. Chegou a afetar a taxa de natalidade do país, provocando esterilidade e mortes.

Depois de sucessivas leis restritivas que só faziam aumentar a clandestinidade e o consumo, o Gin Act – que limitou a produção a destilarias com capacidade acima de 1800 litros – finalmente pegou. A produção caiu, o preço subiu e a bebida conquistou a ‘upper class’ com o surgimento de algumas marcas que seguem no mercado, como Gordon’s e Plymouth.

Foi a época dos Gin Palaces, casas requintadas onde a elite ia para beber gim e ser vista. Ainda nessa época, o fim de um imposto sobre a exportação deu início ao domínio global do gim britânico.

Os britânicos ainda beberam bastante gim (sobretudo acompanhado de água tônica) durante as guerras, embalados pela crença no poder curativo do zimbro e do quinino. Mas no pós-guerra, a bebida ficou associada ao passado e entrou em franca decadência – a ponto de até James Bond passar a tomar Dry Martini com vodca.

Enquanto marcas emergentes de vodca como Absolut conquistavam os novos ricos, yuppies e descolados com um marketing agressivo nos bares, as garrafas de gim ganhavam poeira na adega do seu avô.

Por aqui, o renascimento do gim chegou com força nos últimos três anos. Em 2015, o país importava apenas 22 mil caixas de gim (de 9 litros cada).  Este ano, serão 250 mil caixas, segundo levantamento da Product Audit International.

A Diageo tem apostado suas fichas no segmento premium, privilegiando a marca Tanqueray, que custa acima de R$ 100 a garrafa, sobre o Gordon’s (cerca de R$ 50). Nos últimos cinco anos, o consumo de Tanqueray no Brasil saltou de 6,8 mil caixas (2013) para 62 mil em 2017. No mesmo período, o Gordon’s saiu de 2 mil para 8 mil caixas.

Com a alta do consumo, a Diageo está promovendo cursos para garçons e bartenders aprenderem a preparar gim tônica, além de abrir um ‘pop up bar’ da Tanqueray no Itaim e fazer eventos exclusivos com aulas de mixologia para clientes VIP.

As grandes marcas dominam, mas o movimento artesanal também tem crescido por aqui. Já são 31 produtores – com 56 marcas – habilitados para produzir gim localmente, segundo o Ministério da Agricultura. Entre eles, algumas indústrias tradicionais de bebidas, como a vinícola Salton e a Tatuzinho, da cachaça Velho Barreiro, que tentam pegar carona na moda do gim.

“Criar um gim é relativamente fácil; difícil é fazer um bom gim”, diz o eslovaco Mike Simko, responsável pela primeira marca de London Dry Gin no Brasil. Com foco no mercado super premium, o Arapuru é produzido com ingredientes brasileiros como puxuri, imbiriba, pacová e caju.

Para produzir a receita, Simko chamou Rob Dorsett, um dos maiores destiladores de gin do mundo. O rótulo fez bastante barulho em seu lançamento há dois anos, em um evento que contou com a participação de Erik Lorincz, o bartender chef do American Bar do hotel Savoy de Londres.

O Arapuru sai de uma destilaria localizada a uma hora e meia de São Paulo, na região de Tatuí. No primeiro ano, Simko vendeu 10 mil garrafas, carregando “debaixo do braço, de bar em bar”. Para este ano, a meta é chegar a 30 mil. “O mercado é muito novo e ainda há um preconceito por ser feito no Brasil.”