É hora de um debate franco sobre privatização no Brasil.

O tamanho dos prejuízos causados ao patrimônio coletivo dos brasileiros pelo ‘petrolão’ e bandidagens afins é suficiente para demolir qualquer argumento em contrário.

A incompetência do Estado para gerir empresas — conhecida há muito — se agravou com a leniência (no melhor caso) dos últimos governos e com sua cumplicidade (no pior caso) nos assaltos aos caixas da Petrobrás, da Eletrobrás, dos Correios e dos bancos estatais.

Há mais de 20 anos, o economista Roberto Campos cunhava um apelido para a Petrobrás, zombando da baixa eficiência típica das estatais: Petrossauro. Nos dias de hoje, essa caricatura soa ingênua. Ela nem de longe consegue descrever o quadro completo de depravação e venalidade no qual se inserem as relações entre entes públicos e fornecedores privados.

Vamos ao óbvio: empresas privadas correm atrás da eficiência muito mais que estatais. Com isso, geram mais lucro e pagam mais impostos, o que coloca dinheiro no bolso do Estado em vez de demandar-lhe recursos. Além disso, a empresa privada tende a alinhar os interesses de seus diretores e gerentes com os de seus acionistas. Quando a estratégia dá certo, produzem-se milionários de um lado e de outro. Nas estatais, só os diretores e gerentes ficam milionários, e agora sabemos bem como.

O velho Campos já dizia que “no Brasil, empresa privada é aquela que é controlada pelo governo [através de impostos e regulação], e empresa pública é aquela que ninguém controla.” Dizia também: “Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado.”

Já somos um País bem grandinho e o mundo já se tornou um lugar muito complexo para acreditarmos que as estatais sejam sinônimo de “soberania nacional” ou que tenham “valor estratégico para o País”. E o valor estratégico de ter uma população bem educada, policiais bem treinados e uma saúde pública de qualidade? Hoje, esses setores disputam investimentos com tudo que é “brás”, sem que o cidadão aufira benefício algum.

Para cada partidário jurássico que ainda apoia a tese de manter as estatais — que remonta ao orgulho infantil de ser dono de um brinquedo “grande” — mostremos o exemplo daquele gerente da Petrobras, braço-direito do ex-diretor de serviços Renato Duque. O gerente, Pedro Barusco, fechou acordo de delação premiada e se comprometeu a devolver aos cofres públicos 97 milhões de dólares – o equivalente a 253 milhões de reais. Um quarto de bilhão.

Os inocentes úteis dirão que “basta coibir este tipo de comportamento” e que “a corrupção sempre houve,” e que é desnecessário privatizar. Ora, se até os governos ditos populares não conseguiram injetar na máquina pública a decência que diziam faltar quando ela era administrada por seus antecessores, está provado que a corrupção é pluripartidária, a mais democrática de nossas aflições.

O Brasil não deve privatizar por uma questão ideológica. Deve fazê-lo por uma questão pragmática e um imperativo moral — rouba-se demais dos pobres deste País. Até um governo de esquerda (não dogmático e não cúmplice) é capaz de enxergar isso.

Mas vamos fazer uma privatização acima de qualquer suspeita. As privatizações feitas no Governo Fernando Henrique obedeceram a uma lógica fiscal: como se pretendia levantar o máximo de dinheiro para reduzir o estoque da dívida pública, resolveu-se vender as estatais para consórcios de empresas e grandes investidores, capturando assim o “prêmio de controle” das companhias. Esta estrutura gerou questionamentos que ajudaram a sujar o bom nome que a palavra privatização deveria ter. (O principal deles: o Estado ainda manda muito nas privatizadas, ainda que indiretamente, por meio dos fundos de pensão estatais Previ, Petros e Funcef).

Desta vez, vamos fazer a privatização das massas. Levar para a Bolsa de Valores a participação do Estado na Petrobras, no Banco do Brasil, nos Correios. (No limite, para construir consenso na sociedade, aceite-se uma provisão de que nenhum investidor pode adquirir mais de 10% do capital das empresas.) Os investidores internacionais voltariam a olhar o Brasil de perto, dizendo, “aí está um país capaz de romper com dogmas, de sacrificar suas vacas sagradas.”

Mas o maior prejuízo causado pelo petrolão e — aguardem a Polícia Federal, pelo “eletrolão” — não são os bilhões de reais que encareceram obras e foram parar em Land Rovers e contas suíças. O maior dano foi mesmo na autoestima do País. Cada notícia de corrupção — favorecida pela profusão de estatais sem controle — machuca a imagem que o Brasil tem de si mesmo. Às vezes temos a impressão de que no País há mais bandido que gente honesta, que só há política com corrupção, e que a lentidão da Justiça é quase uma garantia de impunidade.

Há, ainda, o drama dos empreiteiros. Muitos deles costumam dizer aos amigos (quando não há imprensa por perto) que, “se eu não pago, não entro na obra.” Vamos aliviá-los desta carga, fazer-lhes este favor. Estes empreiteiros estão sofrendo demais. É muito conflito ético para ser carregado nos ombros. A privatização vai libertar a verdadeira competitividade no setor, e os mais eficientes triunfarão.

A Lava Jato já botou em cana alguns executivos de empreiteiras, mas, se o Governo quiser mesmo punir os empreiteiros e fazê-los provar do próprio veneno — sofrendo com incompetência, superfaturamento e roubo — aí a vingança é fácil: bastaria estatizar suas empresas.

Roberto Campos também dizia que “a diferença entre a inteligência e a estupidez é que a inteligência é limitada.” No tema das estatais, o País já tentou a estupidez. Agora, deveria tentar a inteligência.