O Governo do Estado de São Paulo começou a notificar diversos postos de combustíveis que compraram gasolina e diesel de distribuidores que sonegam impostos — uma medida que pode servir de exemplo para outros estados e ajudar a reduzir um problema que tem se tornado uma avenida de financiamento para o crime organizado. 

As notificações começaram a ser enviadas na semana passada, quando diversos postos relataram receber o documento exigindo o pagamento dos impostos de combustíveis comprados de distribuidoras como a Refit, Fera e Império.

O valor a ser pago é de R$ 1,22 por litro de gasolina. Ou seja, um posto que comprou 200 mil litros no mês teria que fazer um cheque de R$ 244 mil ao Fisco estadual.

Os postos ainda podem recorrer na esfera administrativa, e o pagamento efetivo pode levar bastante tempo para acontecer. 

“Mas o importante é a mensagem que isso passa, o susto que gera no setor,” Emerson Kapaz, o presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), disse ao Brazil Journal. “Com essa notificação, as revendas vão pensar duas vezes antes de comprar dessas distribuidoras que sonegam, com medo de serem cobradas lá na frente.”

Para Inês Coimbra, a Procuradora-Geral do Estado, essa operação separa o joio do trigo. 

“Muitos dos postos que foram notificados são do mesmo grupo econômico dessas refinarias que sonegam, e outros não. O posto que não for, vai falar: ‘Por que eu vou entrar nisso? Depois eu que vou ter que pagar o pato.’”

Desde a aprovação da chamada lei da ‘monofasia’, o ICMS dos derivados de petróleo passou a ser recolhido unicamente nas refinarias ou nos importadores – em vez de se cobrar o tributo nas diferentes etapas da cadeia. 

Além disso, passou-se a cobrar um valor fixo por litro, em vez de um percentual sobre o valor comprado. 

Para cobrar dos postos, o Fisco estadual está se valendo da Lei Complementar 192, que foi aprovada pelo Congresso em 2022 e prevê a ‘solidariedade’ – ou seja, se um produtor ou importador deixa de recolher o imposto, o valor pode ser cobrado de quem comprou dele. 

“O Fisco de São Paulo sabe que tem várias distribuidoras que não recolhem o tributo,” disse o vp jurídico de uma grande distribuidora que acompanha a situação de perto. “O que ele fez há alguns meses foi colocar essas empresas num regime especial de fiscalização, exigindo que os postos que compram dessas empresas peçam a nota comprovando que o imposto foi recolhido.”

Mas como essas distribuidoras continuam não pagando impostos, e os postos continuam comprando sem pedir a nota, “agora o Estado está exigindo essas notas e começando a notificar todo mundo.”

Segundo essa fonte, a situação tem deixado muitas revendas de combustíveis (donos de postos) em polvorosa, já que eles haviam comprado o combustível “achando que estavam fazendo um baita negócio e agora vão ter que pagar o imposto que as distribuidoras não pagaram.”

Curiosamente, as medidas de enforcement não incluem o etanol, dado que o combustível não está sujeito a monafasia — o que vai mudar com a Reforma Tributária

O cenário ideal seria o Estado cobrar o imposto diretamente das distribuidoras ou das refinarias – mas pelo princípio da solidariedade, o Fisco pode cobrar de quem for mais fácil receber.

Como muitas dessas distribuidoras não tem patrimônio, não tem sede ou estão em locais onde o Estado não consegue fazer a cobrança, o elo da cadeia mais fácil de acessar são os postos. 

“Agora vamos ver quem é mocinho e quem é bandido,” disse o CEO de uma grande distribuidora. 

Um escritório de advocacia que trabalha para a Refit — ligada à Refinaria Manguinhos, que deve R$ 9,5 bilhões ao Estado de São Paulo e R$ 10 bilhões ao do Rio de Janeiro — preparou um modelo de defesa contra as autuações e está enviando o documento aos postos, segundo fontes do setor.

De forma simplificada, o argumento é de que os postos não deveriam pagar esse imposto porque isso seria uma bitributação. (Naturalmente, a tese só faria sentido se as distribuidoras e refinarias estivessem recolhendo os impostos). 

A ação do Governo de São Paulo é uma tentativa de corrigir um problema histórico — e cada vez maior — que afeta o setor de combustíveis.  

A estimativa do ICL é que o Governo perca cerca de R$ 14 bilhões por ano em arrecadação com a sonegação de impostos, e que o setor perca outros R$ 15 bi com fraudes operacionais, como a adulteração dos combustíveis. 

Uma das soluções defendidas pelo setor é a criação da figura do devedor contumaz, que está sendo proposta em pelo menos dois projetos de lei tramitando no Congresso — o PL 15, que trata apenas dos tributos federais, e o PL 184, que fala de todos os tributos e está parado no Senado. Obviamente, o lobby dos sonegadores está fazendo algum senador sentar em cima…

Diferente do devedor de impostos esporádico, que não consegue pagar por um período determinado, o devedor contumaz é o empresário que usa o não-pagamento dos impostos como uma ferramenta concorrencial, incorporando isso ao seu modelo de negócios. 

“Com a diferenciação desses dois devedores, o Fisco teria condições de adotar medidas muitos mais drásticas contra esse devedor contumaz, como fechar a sua operação,” disse outra fonte do setor. 

Hoje, o Fisco não pode fazer isso porque o entendimento do STF é de que a cobrança de impostos não pode ser executada com esse tipo de medida.