Nas contas de boa parte do mercado, a ação da Sabesp estava barata — ainda mais se duas grandes opcionalidades se tornassem realidade: a resolução de um imbróglio bilionário com a cidade de Guarulhos e uma eventual privatização da empresa.
Na manhã de hoje, o primeiro desejo dos investidores foi atendido, e o segundo pode estar a caminho (não sem muitos obstáculos antes).
A Sabesp anunciou um acordo para assumir os serviços de água e esgoto de Guarulhos, encerrando uma disputa que se arrastava há anos e colocando fim a uma dívida de quase R$ 3 bilhões do município com a estatal. Na prática, a Sabesp está perdoando a dívida em troca do contrato de concessão de 40 anos. (Nenhum analista colocava na conta que a dívida seria paga.)
A ação da companhia sobe mais de 5%, embalada também pela indicação, ontem, de Henrique Meirelles para a secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
A dívida com Guarulhos dizia respeito ao contrato para fornecimento de água da Sabesp para a SAEE, a companhia de saneamento municipal, que vinha atrasando os pagamentos. O passivo já havia sido repactuado em suaves prestações ao longo de 40 anos, mas, quebrada, a cidade não conseguia sequer honrar os pagamentos correntes.
O acordo com Guarulhos e a formação de um sólido quadro técnico no governo paulista vêm num momento em que as ações da Sabesp apanharam depois de uma revisão tarifária frustrante e uma troca de comando ainda mais atrapalhada.
Desde o pico em abril, a ação já caiu mais de 20% e é negociada a 0,7x a base regulatória de ativos, o valor sobre o qual são calculadas as tarifas. O múltiplo é mais próximo dos 0,6x da Sanepar, que tem um histórico de problemas com o regulador, do que da mineira Copasa, que negocia a 0,9x RAB.
O governador eleito João Dória já sinalizou que pretende seguir com o processo de capitalização anunciado pelo governo anterior, que prevê a atração de investidores privados na condição de minoritários.
A ideia é criar uma holding 100% detida pelo Estado e com a participação original de 50,3% na Sabesp e fazer uma emissão de ações dessa nova empresa. Assim, caso a participação do governo caia para 50% da holding, São Paulo teria o controle da Sabesp com apenas 25% do capital. “Essa holding é muito difícil”, diz um gestor comprado no papel. “Quem vai querer ser minoritário numa empresa com toda essa lambança de governança?”
A indicação de Meirelles para a Fazenda trouxe de volta especulações sobre a venda do controle da estatal.
Falta combinar com o Congresso.
A privatização das empresas de saneamento é problemática por conta da legislação federal do setor, que exige a anuência de todas as prefeituras que são atendidas pela concessionária em caso de troca de controle – o que, na prática, torna impossível estimar o valor efetivo da concessão.
A MP 844 tentou mudar esse cenário, mas caducou sem votação no Congresso no mês passado. A questão agora é se, com um Congresso em tese mais pró-mercado, o tema pode voltar à pauta. O deputado Hildo Rocha, do MDB, já protocolou um projeto de lei sobre o assunto.
Seja qual for a via para atração de capital privado – privatização ou capitalização – Dória terá a missão de melhorar a governança da companhia e a relação com o regulador.
Concluído em maio, o processo de revisão tarifária – um longo e detalhado exame que acontece a cada quatro anos – foi um show de horrores.
A Arsesp, agência reguladora do Estado, aprovou um aumento tarifário de 3,5%, abaixo da sinalização inicial de 4,2% O processo, concluído em ano eleitoral, foi permeado por erros matemáticos de fazer corar até o pessoal de Humanas: as previsões de custo, por exemplo, não foram atualizadas pela inflação.
A Sabesp recorreu e a expectativa da maior parte dos analistas é que haja um aumento entre 0,5 e 1 ponto percentual nas tarifas nos próximos meses para remendar a barbeiragem. “A Arsesp está com duas das cinco cadeiras vagas”, aponta um analista de mercado. “Isso abre uma possibilidade de indicações técnicas e mais qualificadas pelo próximo governo”.
Dória já indicou o engenheiro Benedito Braga – que foi secretário de recursos hídricos de São Paulo até maio e presidente do Conselho Mundial da Água – para comandar a estatal.
A última troca de comando da Sabesp foi atribulada. O CEO Jerson Kelman deixou a companhia semanas antes do fim do processo de revisão tarifária – o que ajudou a azedar de vez o humor dos investidores. O engenheiro, que fez com que a companhia atravessasse o processo de crise hídrica em 2014, era tido como defensor ferrenho da rentabilidade da empresa frente a Arsesp. Ele foi substituído por Karla Bertocco, vista como pró modicidade tarifária.
Agora, Braga é visto como um “novo Kelman”. A se provar.
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Enquanto isso, no Paraná…
A Sanepar surpreendeu mais uma vez o mercado – negativamente (o que está deixando de ser uma surpresa).
Ontem à noite, anunciou, sem dar mais detalhe, um aumento de 50% no seu plano de investimentos para o período de 2019-2023 e afirmou que a agência regulatória só vai analisar a incorporação desses investimentos na tarifa no próximo processo de revisão tarifária, em 2021. Ninguém entendeu nada.
As ações caem mais de 3%.
Investir em estatais reguladas é, antes de mais nada, uma profissão de fé.
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