O investidor da Bolsa é um bicho previsível: quando as regras são claras, liberta seu ‘espírito animal’; quando a água turva, mergulha no medo.
Foi assim que, com uma canetada burocrática publicada ontem, o Governo do Paraná conseguiu torrar R$ 1,2 bilhão em valor de mercado da Sanepar, e destruir uma credibilidade construída duramente ao longo do último ano.
O que aconteceu?
Como parte da primeira revisão tarifária da Sanepar, a agência reguladora do Estado sugeriu um reajuste de 25,63% nas contas de água e esgoto. Até aí, tudo certo, já que o mercado esperava até um pouco menos que 25% e todo o reajuste diferido no tempo será reajustado pela Selic.
Só que, para reduzir o impacto nos consumidores, a agência propôs distribuir o aumento ao longo de oito anos — e não ao longo de quatro, que seria o normal.
Pior ainda: pela proposta de reajuste escalonado, o primeiro aumento (o deste ano) será de apenas 5,7%, deixando uma média de 8,7% ao ano nos próximos sete anos.
Em empresas estatais, onde há fumaça, há política. Ou pelo menos essa foi a conta do mercado, que correu para as proverbiais colinas jurando nunca mais voltar ao estado das araucárias.
Ao final do pregão, Sanepar caíra 17,7% com um volume negociado sete vezes acima da média, e os efeitos do reajuste haviam transbordado: em Minas Gerais, a Copasa caiu 12%, e a Copel, a outra estatal do Paraná, caiu 4,5%.
“Todo mundo entendeu que deram esse aumento inicial pequeno porque o governador [Beto Richa, do PSDB] deve se desincompatibilizar em fevereiro de 2018, deixando o grosso do aumento para quem vier depois,” disse um gestor. “Faltou um racional para esse aumento, a coisa ficou política, e aí as pessoas perdem a segurança.”
Há menos de uma semana, mostramos aqui que o Paraná é um dos poucos lugares onde o Governo entendeu que a venda parcial de estatais pode ser uma das saídas para a crise fiscal.
O que aconteceu hoje feriu de morte aquela narrativa.
No Bradesco, o analista Francisco Navarrete não se deu por vencido e produziu um relatório exortando o mercado a dobrar a aposta: “Down? Double down!”, gritava o ‘call’ enquanto o papel ardia em chamas.
Pode ser que o mercado ainda faça as pazes com o Paraná — mais sobre isso adiante — mas a zerada de hoje foi traumática: a Sanepar havia se tornado um papel líquido, com um dividendo sólido e um futuro brilhante.
A companhia não tem ingerência sobre o assunto, mas alguns gestores disseram que a decepção de hoje foi semeada pela própria empresa, Durante o roadshow da sua oferta pública, a Sanepar mostrou ao mercado que o Paraná já tinha concedido reajustes de 14% e 16% em anos consecutivos, dando a entender que o tamanho do reajuste que seria necessário agora — que o mercado sabia ser politicamente azedo — não seria um problema.
A divisão dos aumentos em oito anos é particularmente perturbadora, já que, daqui a quatro, a empresa deverá passar por outro ciclo de revisão tarifária — ou seja: os aumentos de um ciclo vão se engavetar nos do outro.
Não ajudou nada a melhorar as coisas a decisão da Sanepar de marcar às pressas uma teleconferência para as 16 horas.
“A empresa estava despreparada e disse, essencialmente, que era para as pessoas irem tirar satisfação com o regulador,” disse um gestor.
A postura Pôncio Pilatos fez a ação acelerar a queda depois do conference call, a clássica emenda que se prova pior que o soneto.
No fim do dia, já havia investidores falando em levar o assunto para Henrique Meirelles — coitado — e para Moreira Franco. Afinal, se o Governo Federal quer privatizar todas essas companhias estaduais de água, a coisa já começou mal.
Para quem se queimou hoje na Sanepar, há esperança. O que aconteceu hoje talvez seja o worst case scenario, já que a proposta que incendiou o mercado é, tecnicamente, uma ‘sugestão’ da agência, que ainda vai submeter o assunto a audiência pública no dia 24. Quem comprar a passagem São Paulo-Curitiba agora ainda consegue sentar na janela.
“Esse é o risco de ter uma empresa regulada na carteira,” diz um gestor, na coisa mais sensata que ouvimos hoje. “O que eles fizeram não foi legal, mas não foi ilegal…”