Quando tocava nos palcos como o DJ Beowülf, João Luccas Caracas achava que estava ‘living the dream’. 

11538 71bce984 190a 915b cd01 884e4848bcfdMas o que veio depois provou-se ainda mais instigante. 

Como CEO do fundo Adaggio, João agora passa tardes e noites negociando a compra de direitos autorais de alguns dos grandes nomes da música brasileira.

“Estou conversando com meus maiores ídolos,” disse João, que já tocou no Rock in Rio e ia tocar no Lollapalooza do ano passado. “E a parte mais legal nem é a aquisição, porque ela é muita matemática. O mais legal é a possibilidade de poder trabalhar essas músicas e ressignificá-las para os fãs.” 

O mercado de direitos autorais musicais no Brasil movimenta mais de R$ 2 bilhões por ano — metade vindo das plataformas de streaming e metade da chamada execução pública, quando a música é tocada na rádio, num show ou numa propaganda.

Ainda assim, ele é virtualmente inexplorado do ponto de vista do mercado de capitais. 

O Adaggio é um dos primeiros fundos abrindo essa frente: gerido pela Arbor Capital, ele acaba de levantar R$ 60 milhões junto a sócios e clientes da própria gestora e os sócios da Atmos Capital. 

A tese de investimento: comprar catálogos de músicos e passar a receber os royalties que vão para o artista cada vez que alguém dá ‘play’ em uma de suas composições. Como planeja trabalhar com metade de sua estrutura de capital na forma de dívida, o fundo terá um poder de compra de R$ 120 milhões.

Na prática, a operação é uma antecipação de recebíveis: o artista cede o direito de receber os royalties futuros para o Adaggio em troca de uma liquidez imediata. 

“A diferença é que também vamos fazer a gestão desses catálogos para aumentar os rendimentos,” diz João. “Vamos bater na porta das rádios, procurar marcas que possam usar a música, sugerir uma regravação… basicamente tudo o que pudermos fazer para monetizar melhor o catálogo.”

O Adaggio já alocou 20% do capital levantado e está fazendo diligência em 60 catálogos que juntos valem cerca de R$ 250 milhões. 

No radar, música para todos os gostos: da MPB ao sertanejo, passando pelo gospel e rock —  e dos artistas consagrados até os nomes ‘quentes’ do momento.

“Há compositores que às vezes você nunca ouviu falar, mas que escrevem para os maiores artistas do País,” diz o DJ que virou CEO, e que também é instrumentista e compositor.

O valuation das composições é uma arte que vai além das planilhas de Damodaran: os múltiplos variam de acordo com o perfil do artista — e com os riscos embutidos em cada um. 

“Um pouco é a matemática que está na planilha, mas tem também uma sensibilidade de acordo com a importância cultural do artista, porque isso aumenta as chances das músicas dele serem regravadas, usadas em comerciais…” diz João. 

Catálogos mais antigos e resilientes — com hits comprovados que não param de tocar há mais de 30 anos — podem alcançar múltiplos preço/lucro de dois dígitos. Já um artista “hot” que lançou seu maior hit no ano passado, ou de um gênero musical mais efêmero (como funk ou pop), pode ter um múltiplo de menos de 3x.

Além da remuneração paga na assinatura do contrato, o Adaggio trabalha ativamente o catálogo — ajudando não só o artista, mas também as editoras e gravadoras.  

“Em casos onde o compositor continua sendo dono de parte de suas músicas, essa obra acaba rendendo mais do que antes pelo trabalho que a gente faz,” diz João. “Não estamos aqui para buscar taxas de retorno absurdas, mas pra fazer um negócio em que todos ganhem: o investidor e o artista.”  

Para analisar os catálogos, João reuniu gente do ramo: nomes como Edison Coelho, um veterano com mais de cinco décadas na indústria fonográfica e passagens pela EMI-Odeon e Warner Music, e Eduardo Vasconcellos, que trabalhou 20 anos na Sony Publishing, a editora da Sony. 

O Adaggio está nascendo no País que deu ao mundo a “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade” e “Ave Maria no Morro.”

O Brasil é um dos países que mais consome sua própria música, mas cada ‘play’ em uma plataforma de streaming gera para o artista brasileiro cerca de um terço do que gera para um colega americano.

Há quatro motivos para isso: o Real depreciado; o fato do Brasil ainda ter poucos usuários pagantes no Spotify; o fato do português não ser uma língua global, limitando o mercado endereçável; e a lei sobre o chamado ‘direito moral’, que no Brasil limita a liberdade do comprador em monetizar música como desejar (o artista retém o direito de veto em alguns casos).

O grande benchmark do Adaggio é a Hipgnosis, um fundo inglês que é listado na Bolsa de Londres e já vale mais de £ 1,6 bilhão. A Hipgnosis é dona do catálogo de artistas como Neil Young, Kaiser Chiefs e Shakira. 

Segundo a Forbes, o mercado de direitos musicais movimentou mais de US$ 12 bi globalmente nos últimos 10 anos — com o grosso da atividade acontecendo a partir de 2016. 

Em dezembro passado, Bob Dylan vendeu seu catálogo de mais de 600 músicas para a Universal. O preço não foi divulgado, mas a cifra de US$ 300 milhões está ‘blowing in the wind’. 

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