Quando MC Daleste morreu, abatido por um tiro durante um show em 2013, o funkeiro deixou um legado de mais de 40 músicas e milhões de plays no Youtube e nas plataformas digitais.
O luto da família e dos amigos mal havia começado quando seu produtor, o DJ Gá BHG, foi procurado por uma empresa que “queria ajudá-lo”.
A promessa era recuperar um dinheiro retido no ECAD (a instituição responsável pelos direitos autorais e conexos das músicas) e regularizar todas as obras da mente por trás do hit “Gosto Mais do Que Lasanha”. O contrato, em tese, garantiria a Gá e à família de Daleste os royalties de todo o portfólio do artista.
O tempo passou e quase nada entrou na conta de Gá, que começou a achar tudo aquilo muito estranho.
Há algumas semanas, Gá bateu na porta da iMusics, uma plataforma que cuida dos direitos autorais e da distribuição e monitoramento de músicas. Graças ao sistema do ECAD a startup descobriu a origem do problema: a produção fonográfica das obras estava registrada no nome de outras pessoas.
Em bom português, haviam ferrado com o DJ.
“Achei que eles iam entrar só como editora, mas o que fizeram foi pegar o [direito] fonográfico pra eles, como se eles que tivessem feito a produção”, Gá disse ao Brazil Journal. “No começo eu até recebi uma grana legal, mas depois nunca mais recebi nada. Quando fui ver, em todas as músicas do Daleste eles tinham me colocado só como músico acompanhante e tinham botado outros nomes como produtor.”
Na prática, isso fez com que Gá recebesse uma parcela pequena dos direitos conexos das músicas, enquanto os 41% a que tinha direito pela produção foram parar — todos os meses — no bolso da empresa que só “queria ajudá-lo”.
Gá é apenas um entre milhares de artistas que sofrem diariamente com a falta de transparência do mercado de direitos autorais de músicas, uma indústria que movimenta bilhões no Brasil mas ainda é dominada por empresas que carecem de qualificações básicas — como honestidade.
É neste vespeiro que a iMusics está mexendo.
Ivo Machado, o fundador da startup e um ex-agente da inteligência da Polícia Militar, diz que já recebeu mais de uma vez ameaças de morte de pessoas envolvidas neste esquema, que ele chama de “editoras fantasmas”.
“Muitas distribuidoras fazem isso: quando vão registrar a música no ECAD, combinam com uma editora para colocar o nome do artista como participante, mas o principal papel — que dá mais dinheiro — colocam no nome de pessoas ligadas a elas,” diz Ivo. “Nossa ideia é mostrar o que está errado e garantir que os direitos do ECAD sejam pagos corretamente.”
Este é o problema mais grave, mas não é o único.
A iMusics está usando a tecnologia para transformar praticamente tudo na indústria de direitos autorais de músicas: dando ao artista — além de um tratamento honesto — uma melhor gestão de seu portfólio, custos menores e eficiência.
Na prática, quando um artista se cadastra na plataforma, uma equipe da iMusics levanta todo seu portfólio e regulariza as obras que precisar, registrando-as no ECAD e criando o chamado ISRC (uma espécie de CPF da música).
Depois, a iMusics faz a distribuição nas plataformas digitais (Spotify e Deezer, por exemplo) e monitora o portfólio usando um algoritmo proprietário. Se uma música do artista for tocada sem autorização no Youtube, por exemplo, o software descobre e avisa a iMusics, que então decide se tira aquela obra do ar ou encontra formas de monetizá-la.
Como é de praxe no setor, a iMusics opera num modelo de comissão: ela fica com 20% de tudo que o artista ganhar com os royalties de suas músicas. Seu preço está bem abaixo dos concorrentes, onde essa taxa varia de 30% a 70%.
Outro diferencial: a iMusics não “amarra” o artista. Enquanto uma distribuidora tradicional exige um contrato que vai de 3 a 10 anos, a iMusics exige apenas 30 dias de comprometimento.
O resultado dos primeiros meses é música para os ouvidos do fundador.
A startup já tem mais de 32 mil artistas na plataforma e acaba de conquistar três clientes importantes: o Padre Marcelo Rossi e os rappers Dexter e Afro-X, dois ex-detentos do Carandiru que se redescobriram na música, transformando-se em figuras importantes do rap nacional.
A dinâmica do setor é curiosa.
“Esses caras não querem saber de contrato: querem olhar no seu olho e ter certeza que você não vai f*$#% com eles como outras empresas já fizeram”, diz Machado. “Foi até engraçado que na reunião com eles [Dexter e Afro-X] alguém falou que eu trabalhei na polícia e eles gostaram. Disseram que eu sabia como as coisas funcionavam, como tinha que ser.” (risos)
Por enquanto, tudo está correndo bem. Desde que entraram na plataforma, Dexter e Afro-X estão faturando três vezes mais do que ganhavam com a distribuidora anterior, diz Ivo.
Empreendedor serial, ele já havia criado outras três startups antes da iMusics. Há alguns anos, fundou duas empresas de segurança da informação (uma delas vendida para a B2W); e, em 2012 — quando recebeu um diagnóstico errado de morte prematura — programou um aplicativo que permite enviar mensagens pós-morte para amigos e familiares. O app ainda existe e já foi usado por mais de 50 mil pessoas.
Ivo levou dois anos desenvolvendo a plataforma da iMusics, e contou com o apoio de investidores-anjo como Daniel Alves, o jogador de futebol do São Paulo.
Agora, a startup está levantando um investimento-ponte e já planeja captar uma rodada Series A, prevista para maio do ano que vem. Ivo diz que a iMusics gera caixa, mas precisa dos recursos para aumentar sua equipe comercial, investir na plataforma e lançar novos produtos.
O principal: uma plataforma de compra e venda de direitos autorais, que já está operando em beta e permite que os artistas negociem partes de suas obras.
“Como a música é quase um bem móvel — pode ser transferida de nome e depois que o titular morre continua gerando royalties nos próximos 70 anos — criamos um modelo que permite que o compositor ou o músico dono de um fonograma venda uma parte de sua obra,” diz Ivo. “Se um compositor precisar de dinheiro para algum projeto, por exemplo, poderá colocar 20% de uma música à venda na plataforma. Já o comprador terá direito a recolher mensalmente os royalties de acordo com o percentual que adquiriu.”
Recentemente, uma solução semelhante foi lançada em Singapura. Em cinco meses, a Royalties Exchange já transacionou mais de US$ 30 milhões só vendendo e comprando os direitos autorais e conexos de músicas.