Robert Emerson Lucas Junior revolucionou a pesquisa em diversas áreas da economia, combinando uma rara intuição e inteligência cirúrgica na modelagem dos fenômenos – e fazendo perguntas que desconcertaram muita gente.
Lucas morreu no dia 15 de maio, em Chicago, aos 85 anos. Sua morte foi anunciada pela Universidade de Chicago, onde foi professor e pesquisador a partir de 1975.
A primeira grande contribuição de Lucas foi analisar algumas das razões e implicações da relação entre inflação e atividade econômica, produção e emprego: a curva de Phillips, como chamam os economistas.
Essa relação era conhecida desde o começo dos anos 1960 e fora tema de pesquisas importantes, como as de Milton Friedman e Edmund Phelps, mas Lucas propôs um modelo criativo que introduziu a assimetria de informação como um fator para analisar a reação das firmas a indícios de inflação.
Os vendedores de bens e serviços não sabem exatamente a razão do aumento da demanda pelo que vendem. São muitas as possibilidades: outros bens e serviços podem ter ficado relativamente mais caros por algum choque de oferta, ou os consumidores passaram a optar por comprar mais o que a firma produz.
A razão, contudo, pode ser outra: a maior demanda simplesmente decorre de o governo estimular uma economia em pleno emprego, o que significa que todos os bens e serviços andam a ser mais demandados.
Nos primeiros casos, vale a pena as firmas beneficiadas produzirem mais: a sua lucratividade de fato aumentou. No último, porém, trata-se apenas de uma miragem. Os preços do que vendem aumentaram, mas também, como constatarão mais tarde, o mesmo acontecerá com seus custos de produção.
Na confusão sobre as causas do aumento da demanda, a resposta imediata das firmas é aumentar a produção, ainda que, eventualmente, com alguma cautela. Caso entendam, com o passar do tempo, que se trata apenas de aumento da inflação, esse efeito desaparece.
Um gestor de política econômica que apenas analise os dados de curto prazo pode ficar tentado a explorar a relação observada entre inflação e expansão da atividade econômica e do emprego. Baixar taxas de juros, aumentar a meta de inflação e expandir os gastos públicos poderiam ser instrumentos para estimular a economia.
Entretanto, alertou Lucas, essas intervenções, ao ignorar as razões para os efeitos da inflação sobre a atividade, podem ser um tiro no pé. Na medida em que as firmas aprendem que a maior demanda decorre exclusivamente de uma política econômica expansionista e que os custos irão aumentar na mesma proporção, sua reação será reajustar seus preços, sem aumentar a produção e a geração de emprego.
Kenneth Arrow havia iniciado a agenda de pesquisa sobre assimetria de informação em 1964 ao analisar o setor de saúde. Muitos de seus alunos a analisaram em outros casos na década seguinte e, pelas suas contribuições, receberam o Nobel.
Lucas inovou ao introduzir a assimetria de informação para estudar problemas da macroeconomia. A forma como analisou o tema ainda hoje é utilizada para tratar diversos problemas econômicos.
Secundariamente, Lucas também tratou de um problema levantado anteriormente por Tjalling Koopmans: o fato de que análises estatísticas sem modelos estruturais podem resultar em prescrições equivocadas de política econômica. O problema é que, ao simplesmente observar correlações entre variáveis, – como por exemplo entre inflação e atividade – o economista pode acabar fazendo prescrições de medidas com efeitos contrários aos pretendidos.
Lucas inovou ao aplicar a observação de Koopmans à macroeconomia, rompendo com a abordagem tradicional em vigor desde o fim da Segunda Guerra – que era baseada em grande parte nas relações estimadas com base nos dados das variáveis agregadas, como consumo, investimento e taxa de juros, por exemplo.
Lucas mostrou que, na medida em que as regras do jogo – como a condução da política econômica ou as normas que regem os direitos de propriedade – são alteradas, firmas e famílias alteram a forma como reagem aos preços de mercado. Uma coisa é receber um aumento salarial em razão de promoção ou do bom momento da empresa. Outra é saber que reajustes salariais e de preços tornaram-se corriqueiros.
Deve-se ter cuidado com as estimativas com base em dados passados; eles podem não ser um bom estimador de como a economia reagirá no futuro. Para analisar os impactos da política econômica, por exemplo, é preciso estudar como as famílias e firmas devem reagir às condições de contorno, ou construir um “modelo estrutural”, como se diz na profissão.
Assim era Lucas. Um olho na macroeconomia, aquilo que afeta a todos, outro na microeconomia, nas regras e incertezas que afetam as escolhas individuais, e como essas duas instâncias interagem.
Com Lucas e seus colegas de revolução, Edward Prescott e Thomas Sargent, a macroeconomia tornou-se um caso particular da microeconomia. Ele ainda contribuiu para muitas áreas da economia: inflação e política monetária, modelagem dos preços de ativos financeiros, crescimento econômico e muito mais.
Em todos os seus trabalhos, havia uma abordagem comum. Lucas levava a sério as informações quantitativas dos preços e das escolhas em diversos mercados, por vezes sem relações óbvias aparentes. O passo seguinte era perguntar por que as firmas ou as pessoas agem assim. Quais fatores as motivam a tomar essas decisões?
Como entender as diferenças de renda entre os países? Se a taxa de retorno do capital é tão maior em países pobres, como a Índia, por que o investimento não flui para lá em maior quantidade?
Por que existe um percentual elevado de pessoas bem formadas que preferem emigrar para países ricos? Será que as oportunidades para elas aumentam quando há mais gente bem-formada ao redor?
Com essas provocações, Lucas intuiu o que se tornaria um aspecto essencial da pesquisa sobre desenvolvimento econômico dos últimos 40 anos: a importância das ideias/inovações e dos retornos crescentes de escala para o aumento da produtividade.
O trabalho de Lucas mostrou que as instituições importam, e que os detalhes das regras do jogo têm impactos relevantes no funcionamento dos mercados.
O crescimento econômico, em particular, depende do aumento da produtividade, e uma parte fundamental desse processo são as novas ideias, as novas formas de gestão, inovações de produtos ou de processos.
A existência de direitos de propriedade bem definidos e a competição entre as firmas estimula a inovação, como Karl Marx já percebera no século 19, argumento que depois foi desenvolvido por Joseph Schumpeter e muitos outros economistas nas últimas décadas. Um livro recente de Phillipe Aghion, The Power of Creative Destruction, sistematiza muitos dos resultados dessa agenda de pesquisa.
Em um dos seus últimos artigos, Lucas, em coautoria com Benjamin Moll, analisou o processo de interação entre pessoas com diferentes características, que podem dividir seu tempo entre produzir mercadorias e interagir com os demais na busca por ideias que aumentem a produtividade. Eles mostram as condições para que essa interação resulte em uma trajetória de crescimento sustentável.
Cada agente, contudo, leva em conta apenas seu benefício individual, sem considerar que o conhecimento gerado beneficia os demais. O artigo analisa a estrutura de tributação que garantiria a implementação de uma trajetória que maximize o bem-estar social.
Lucas, em meados dos anos 1970, provocou a pesquisa em economia para estudar fenômenos econômicos, desta vez por meio de simulações de modelos dinâmicos, recheados de incerteza, com implicações contra factuais, para verificar sua maior ou menor aderência aos dados disponíveis.
O resultado foi uma extensa agenda de pesquisa com base em Modelos de Ciclo Econômico Real, que identificou problemas que iam na contramão das conjecturas até então disponíveis.
Essa é a boa agenda de pesquisa em economia. Modelos claros, com conceitos precisos, que têm implicações que podem ser contrapostas aos dados observados.
E os problemas, as dissonâncias entre o que a modelagem prevê e os dados do mundo, abrem as portas da investigação, que devem resultar em novos modelos cuidadosamente formalizados, novas conjecturas e novos testes para verificar se conseguem melhor aderência aos dados.
O surpreendente em Lucas era sua capacidade de identificar inconsistências entre as teorias então convencionais e poucos dados dispersos, como no caso do baixo afluxo do investimento dos países ricos para os países pobres. Eventualmente, suas observações incentivaram pesquisas com resultados surpreendentes.
Lucas e Sargent utilizaram a hipótese de Expectativas Racionais, de John Muth em seus modelos: os agentes utilizam a melhor informação disponível para estabelecer as suas expectativas. E mostraram como essa hipótese alterava sensivelmente os resultados tradicionais da macroeconomia.
Quando Lucas se divorciou nos anos 1980, sua primeira esposa fez constar do acordo que se ele ganhasse o prêmio Nobel até 31 de outubro de 1995, ela teria direito a metade do valor concedido. Afinal, sabia dos seus méritos e acreditava que receberia o prêmio.
(Lucas recebeu o Nobel no começo de outubro de 1995, poucas semanas antes da data limite prevista no acordo, e dividiu o prêmio de US$ 600 mil com a ex-mulher.)
Marcos Lisboa é economista.
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