O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar amanhã um pedido do Senado para impedir a venda de parte das refinarias da Petrobras. O argumento dos senadores é de que a Petrobras estaria dando um ‘bypass’ na legislação que obriga que as privatizações de estatais tenham como base uma autorização legislativa.

 
Trata-se de mais um divisor de águas para o País — não apenas no que tange ao processo de reconstrução da Petrobras, mas a todo o futuro das privatizações. 

Para um Governo que — com muito custo — só conseguiu até agora entregar a reforma da Previdência, e nenhuma outra reforma estrutural, o que está em jogo deveria tirar o sono do Planalto. 

Já registramos exaustivamente aqui e também aqui como a canetada solitária de um ministro do STJ mergulhou o setor de infraestrutura no Brasil numa ansiedade jurídica e regulatória.  Usar a palavra “insegurança” já é pouco. 

No Congresso, o debate sobre as refinarias é ideológico. O lobby contra a privatização é liderado pelo PT, sempre moderno, arejado e especialista em gerar riqueza (para os sindicatos).  Mas nessa, o PT não está sozinho.

Ao conspirar contra a privatização, a famosa ‘aliança entre conservadores e liberais’ está prestes a botar azeitona na empada do PT — mais uma prova de que os extremos se tocam, e que um Governo “radicalmente contra tudo isso que está aí” pode acabar entregando exatamente as mesmas mercadorias, incluindo criatividade fiscal.

O mundo está assistindo à adoção rápida do carro elétrico, a Tesla já vale US$ 400 bilhões, e até as majors do petróleo se desdobram para ter um Plano B em energia renovável.

Mas o Brasil…. ah, o Brasil é diferente.  Se depender de alguns senadores, a sociedade, representada pelo Estado, tem que ser dona de refinarias, o ativo mais dinossáurico que existe.

O mundo vê a riqueza ser criada na biotecnologia que vai nos livrar da covid, na nanotecnologia que revoluciona todas as indústrias, mas DEUS ME LIVRE se as refinarias forem parar na mão de uma Cosan ou Ultrapar da vida. 
 
No caso das refinarias, os ministros Lewandowski, Fachin e Marco Aurélio já votaram para que a privatização passe necessariamente pelo Congresso.  Em Brasília, aposta-se que Alexandre Moraes, Gilmar Mendes, Luis Roberto Barroso e Luiz Fux votem pela autonomia da Petrobras em privatizar, mas os votos de Toffoli, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Celso de Mello ainda são dúvida.

A venda das refinarias envolve razões econômicas, compromissos regulatórios e implicações para o mercado. 

Como explica o professor Adriano Pires, a maior autoridade em petróleo do País, “a Petrobras pretende vender 50% da sua capacidade de refino para investir os recursos no pré-sal e reduzir sua dívida, que ainda é alta. Tanto o CADE quanto o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) vêem isso como um movimento saudável para permitir a competição de preços e a expansão da capacidade de refino nacional até 2030, quando nossa demanda de derivados estará em torno de 3 milhões de barris por dia. Ou seja, é bom para a empresa e está de acordo com decisões tomadas pelos órgãos públicos competentes, além de alinhado com o melhor interesse da sociedade e com os objetivos anunciados pela Lei do Petróleo há mais de 20 anos.”

A atividade de refino não é um monopólio legal nem tampouco constitucional. Refinarias são ativos imobilizados, da mesma classe que os campos de petróleo, cuja venda é permitida pelo STF, o que mostra o tamanho do oportunismo do Senado.

Mais:  há um ano, o STF extinguiu ações contra o desinvestimento no refino e reconheceu a liberdade do corpo diretivo da Petrobras de determinar os rumos que melhor atendem aos seus objetivos.  Foi assim:  em junho de 2019, o STF foi consultado sobre a venda da TAG, um gasoduto da Petrobras. O Supremo disse que, como a TAG era uma subsidiária, não havia porque sua venda passar pelo Congresso, ou seja, a companhia tinha autonomia para vender.  
 
Agora, os senadores alegam que a Petrobras está tentando driblar o Congresso ao transformar as refinarias em subsidiárias. Ocorre que a Petrobras está criando a subsidiárias apenas para estruturar melhor a venda do ponto de vista fiscal e societário, o que vai valorizar as refinarias. Se as refinarias estivessem sendo vendidas como ativo imobilizado, não poderia sequer haver questionamento, porque a empresa já vendeu diversos campos de petróleo sem que houvesse contestação no Supremo.
 
Felizmente, em meio a tanto ruído e à balbúrdia reinante, o presidente do STF defendeu ontem numa palestra as “múltiplas” vantagens para o País em ter uma jurisprudência estável e coerente.

“A jurisprudência pacífica, íntegra e coerente estabelece previsibilidade,” disse Luiz Fux, segundo nossos colegas do Valor. “Ninguém vive sem previsibilidade. Nenhum investidor virá para o Brasil se não houver previsibilidade jurídica. Jurisprudência estável é sinônimo de confiança do investidor.”

Nada a acrescentar.

Ninguém disse que se livrar das refinarias seria fácil: o cerne do monopólio da Petrobras está no refino, assim como os segmentos mais ideológicos da companhia.

A razão tem origens históricas.  Quando a Petrobras foi criada, na década de 50, seu objetivo era descobrir petróleo.  Mas no final daquela década, como nenhuma gota d’óleo jorrasse do chão, e o petróleo continuava a ser importado, a retórica para justifcar o monopólio mudou: “Vamos ganhar autossuficiência no refino!”

Foi por essas e outras que Roberto Campos cunhou a frase: “A Petrobras é a única empresa monopolista de um produto importado.” 

O economista e senador morreu chamando a Petrobras de ‘Petrossauro’.  Era o alerta de um homem à frente de seu tempo.

Duas décadas depois de sua morte, o Brasil continua preso aos mesmos fetiches de grandeza, buscando a riqueza onde ela não mais reside, e usando frases como “orgulho nacional”, que não pagam as contas do mês nem educam a próxima geração.

Agora, a bola está com o STF.  Ele vai decidir se o País olha para o futuro ou mais uma vez faz um carinho no passado.