Passou da hora de discutir o papel dos acionistas nas empresas brasileiras. Há muito dinheiro hoje indo para gestoras que compram participações em companhias mas adotam uma postura hands-off, que nada acrescenta para o ativo em si e suas operações – e que não permite ter a dimensão exata do que se passa na “linha de produção” dos negócios em que esses investidores estão montando posição.

O que não falta são novas gestoras no mercado – muitas formadas por gente muito competente. Só que todas essas mentes brilhantes, analisando as mesmas companhias – e muitas vezes da mesma forma – tendem a reduzir muito o prêmio a ser capturado pelo investidor, além de dificultar o crescimento dessas assets, limitando sua escala de atuação e, quase invariavelmente, reduzindo suas chances de sucesso.

Sou engenheiro de formação e venho de uma carreira de consultor, executivo e investidor. Fui, como dizem, do escritório ao chão de fábrica, e esta experiência me deu o privilégio de poder falar diferentes linguagens e participar de diferentes círculos profissionais, ainda que tenha me levado por um caminho mais tortuoso e longo.

Como executivo e investidor, ganhei uma convicção muito grande de que os investimentos em renda variável com uma gestão ativista – sem hostilidade, em que existe colaboração e trabalho conjunto de quem aloca dinheiro e da administração das empresas – podem trazer muito mais histórias de sucesso ao mercado brasileiro. Algumas perdas pelo caminho também são parte natural do risco, mas mesmo os insucessos podem ser mitigados ativamente pelo gestor. É para esta grande onda de novas gestoras de renda variável que essa oportunidade se constitui de forma mais tangível e imediata.

Interessantemente, essa gestão mais ativista e participativa – estratégia de investimento tipicamente adotada pelos fundos de private equity – ainda possui uma baixíssima representatividade na oferta de investimentos do mercado de gestão de ativos brasileiro.

Os PIPEs, como são chamados os Private Investments in Public Equity, em que investidores compram participações em companhias abertas buscando posições de influência direta na gestão, não representam 1% do nosso mercado de gestão de ativos. Mesmo FIPs, amplamente definidos, que quando investem em companhias necessitam desta caracterização de gestão ativa – a chamada “efetiva influência” – representam na sua totalidade menos de 10% do mercado total. Em contraste, no mercado americano, estratégias em que prevalecem a gestão ativa de companhias alcançam cerca de 30% dos ativos sob gestão. Certamente existem várias razões para esta baixa oferta.

O famoso “mercado de rentistas”, por exemplo, não quer correr riscos desnecessários. Isto não ocorre só no Brasil. Imaginemos o que seria do mercado americano se os juros dos títulos do governo tivessem o mesmo patamar do mercado brasileiro. Além de uma outra ordem mundial, claro, teríamos um mercado americano “raso” e não tão vibrante como na atualidade. Outros dizem que “assim é o Brasil!”, com aquele tom de conformismo que os cabelos brancos, ou às vezes o cansaço, costumam trazer.

Mas será que mesmo com todos estes argumentos estamos seguindo nosso animal spirit ao não buscarmos educar e oferecer ao investidor todas as oportunidades que este tipo de investimento alternativo de renda variável já oferece em mercados mais desenvolvidos e diversificados?

Faço estas reflexões não apenas observando o macro como descrito até aqui. Reflito sobre isso no meu dia-a-dia como gestor de fundos de PIPE na São Pedro Capital.

Há poucas semanas, passei parte da manhã com um gestor de ativos conceituado e responsável por alguns bilhões que criticou o posicionamento de uma companhia na qual investimos; na parte da tarde participei em um comitê dessa mesma companhia criticada, com todo o seu senior management. Ali naquela reunião fiquei avaliando o que seria do valor daquela companhia se o mercado estivesse ali comigo naquela mesma sala (virtual!). Uma discussão estruturada, inteligente, profunda, baseada em dados e com executivos e empreendedores que conhecem o seu negócio e genuinamente pensam no crescimento e no longo prazo dos seus modelos.

E se o mercado pudesse sair um pouco mais da sua zona de conforto, da tela da Bloomberg, das planilhas de Excel, dos modelos teóricos, e pudesse, como alguns poucos já fizeram com muito sucesso, sentar ali ao lado desse management e apoiar o seu crescimento de forma mais ativa e participativa?

E se mais dessas mentes brilhantes estivessem mais presentes nessas discussões? E não me refiro apenas a reuniões de conselhos trimestrais. Estou falando de uma agenda intensa de reuniões semanais, comitês, workshops, recrutamento – “colocar as mãos na graxa” mesmo.

Quanto valor poderia ser agregado a uma companhia que recém ingressou no mercado e agora é condenada – quase sem direito de defesa é certo – a ficar entregue a uma avaliação completamente distorcida, simplesmente por seu rótulo de “small cap”? Ou, como dizem alguns gestores: “fico próximo da porta de saída porque a ação não tem liquidez”.

Claro que muitas dessas gestoras perderiam escala de operação. Gestão ativa toma tempo mesmo. Mas será que isso não seria compensado – e muito – por maiores retornos e riscos mitigados?

Sou um capitalista liberal das antigas. Cresci em uma família sustentada por um pai funcionário público que, sem nenhum demérito ao seu trabalho, teve muita dificuldade, até pelas condições de mercado da época, de me ensinar que havia oportunidades profissionais além de um concurso para uma estatal: “o salário é bom e você nunca é mandado embora”, diziam meus pais.

Por isso, sempre admirei aqueles que transformaram esse mercado ignorando ciclos econômicos e muitas vezes não necessariamente conscientes das tendências que suportaram seu sucesso. Simplesmente foram lá e fizeram! Tomaram risco! Acho que as condições atuais, independente do seu ciclo econômico difícil, indicam uma situação mais propícia para a tomada de risco de toda nossa indústria de gestão de ativos. Podemos atuar nas companhias e devemos sentar ao lado do executivo, do fundador, do empreendedor, e participarmos da solução do problema e não apenas do seu diagnóstico.

Mesmo no segmento de venture capital – hoje na moda e notoriamente conhecido por uma metodologia mais centrada em networking, incluindo principalmente as relações com os “founders” – vemos muitos jovens extremamente talentosos e, novamente, com uma educação exclusivíssima em qualquer parte do mundo, atraídos apenas pela tarefa de “opinar”!

Não tiro o mérito disso, que é importante e é parte de um modelo tradicional que preza por espalhar os riscos em várias apostas. No entanto, transformar essas companhias vai exigir mais gente “mão na massa” mesmo, fortemente ativa no processo de criação de valor diário destas companhias. Opinar apenas não vai bastar.

Tudo isso me remete a uma já longínqua sexta-feira, quando deixei a posição de CEO de uma companhia listada para me juntar a uma firma de private equity. Na segunda-feira seguinte, já estava em Nova York em um coquetel com investidores levantando um fundo de private equity. A certa altura da conversa, um diretor de um destes fundos gigantes institucionais se aproximou e me provocou brincando:

“Alexandre, nós precisamos de mais gente boa criando valor nas companhias, e não vindo apenas para dar opiniões nestas companhias.” Ali percebi que, se conseguirmos unir estes dois mundos – gestão de investimentos e gestão de companhias – teríamos uma grande oportunidade de criação de valor.

Algumas poucas firmas locais já perceberam isso há décadas e estão criando muito valor. O cenário de inúmeras companhias que abriram seu capital recentemente aponta que há espaço para mais. Mas isso a planilha de Excel não vai te contar.

Alexandre Dias é sócio-fundador da São Pedro Capital.