Passava do meio-dia de terça-feira quando um pastor evangélico usou as redes sociais para atacar uma das maiores empresas do País.
O pecado da Natura: contratar Thammy Miranda — um ator transexual — como influenciador digital da campanha do Dia dos Pais, desenhada pela DPZ&T.
Incomodado com uma suposta “afronta” aos valores cristãos, o pastor esbravejou com a cólera dos fariseus: “VAMOS BOICOTAR A NATURA! SOMOS A MAIORIA.”
Um dia e meio depois, as coisas não saíram como o pastor imaginava.
A ação da Natura subiu 2% na terça e mais 6,7% ontem — a maior alta do Ibovespa — adicionando R$ 5,2 bilhões ao valor de mercado da companhia e mostrando uma divergência de proporções bíblicas entre o que pastor estava vendendo e o que o mercado estava disposto a comprar. (O papel sobe mais 1,5% hoje, mesmo com o mercado em queda).
Ok: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” A verdade aqui é que a Natura está subindo com rumores de um resultado melhor que o esperado. Ainda assim, o buyside veio a público apoiar a companhia na ‘polêmica’.
Um analista da Ativa disse à Broadcast que a contratação de um homem transexual está em linha com as práticas de ESG. “A campanha dialoga muito com a força da marca e mostra que ela pode ampliar sua base de consumidores.”
Um sócio da Gauss Capital disse à agência que “esse comportamento pró-sociedade está sendo cada dia mais bem-visto e o investidor tem interiorizado isso de pagar mais por empresas que têm esse comportamento.”
Foi quase como se o pastor — que frequentemente usa questões de gênero como isca para criar polêmicas artificiais — tivesse, ele mesmo, mordido uma isca lançada pela Natura.
A companhia se manteve fiel a seu credo. “A Natura celebra todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações”, disse a companhia — numa resposta que rendeu mídia espontânea certamente superior a vários domingos do dízimo do pastor.
O backlash contra o pastor foi imediato. Felipe Neto, o YouTuber de 39 milhões de seguidores, se ofereceu como garoto propaganda da Natura, “de graça”.
“Colocarei inserção publicitária em alguns vídeos informando como comprar produtos Natura e incentivando a marca,” tuitou.
No Instagram, uma evangélica respondeu ao pastor: “Não vou parar de vender Natura não…. Cada um que cuide da sua vida.”
Um jovem da Paraíba condenou a atitude: “Sou cristão, porém aqui vemos claramente um homem que diz servir a Deus mas ama se envolver em polêmica. Qual a necessidade disso? Pode sim defender seus valores, mas prejudicar uma empresa assim? Parece que falta amor para esse tipo de gente que prega uma coisa e vive outra.”
Outra comentarista de Instagram parece estar ficando sem opções: “Eu parei de comprar Natura, Boticário, Avon… e se descobrir outras marcas que patrocinam o Inferno eu deixo de comprar.”
Alguém perguntou se a igreja do pastor deixaria de aceitar o dízimo de fieis que revendem Natura. (A indagação ficou sem resposta, mas foi divertido.)