Queremos mesmo agravar a maior crise sanitária e a maior depressão econômica da história do País com uma crise institucional cujos precedentes remontam a 1964?
Se depender do Presidente Jair Bolsonaro, a resposta é sim.
Num dos discursos mais radicais desde que assumiu a presidência, Bolsonaro conclamou a população a “lutar junto” com ele, disse que “acabou a patifaria” e que não há espaço para negociar nada.
O local e a oportunidade foram escolhidos a dedo: o Presidente discursou em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, para um grupo de centenas de manifestantes que pediam a volta do AI-5 e o fechamento do Congresso. No Dia do Exército.
“Não queremos negociar nada, queremos é ação pelo Brasil”, disse o presidente, do alto de uma viatura da Polícia Militar. “O que tinha de velho ficou para trás, temos um novo Brasil pela frente, todos têm que ser patriotas, acreditar e fazer sua parte para colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece.”
Lutando contra uma tosse seca que insistia em interrompê-lo, Bolsonaro pediu que o povo se juntasse a seu redor:
“Acabou a época da patifaria, agora é o povo no poder, lutem com o seu presidente… o povo precisa fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil.”
Segundo relatos, Bolsonaro havia acabado de almoçar com seus três filhos — Eduardo, Carlos e Flávio.
A reação da sociedade civil veio de imediato.
O ministro do STF Luís Roberto Barroso disse no Twitter que “é assustador ver manifestações pela volta ao regime militar após 30 anos de democracia.”
“Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve. Ditaduras vêm com violência contra os adversários, censura e intolerância. Pessoas de bem e que amam o Brasil não desejam isso,” disse o ministro do supremo, antes de citar Martin Luther King.
“Pior que o grito dos maus, é o silêncio dos bons.”
A luta contra a pandemia nunca seria fácil. Mas lutar com o país dividido entre os #foramaia e os #forabozo é garantia de derrota certa — tanto no campo sanitário quanto político.
Esta é uma guerra que demanda respostas calibradas e nuançadas. Mas o que vemos é um presidente descompensado, que agride qualquer um quem lhe critica ou lhe faz sombra. Enquanto outros líderes como Trump e Boris Johnson recuaram de suas posições iniciais ao entender a gravidade da crise, Bolsonaro continua minimizando o problema e disseminando desinformação.
Muito provavelmente, a melhor resposta do Poder Público não será nem reabrir a economia de uma hora para outra nem esticar o lockdown por meses a fio.
Mas ao ir à guerra contra o Presidente da Câmara, um Bolsonaro desesperado aprofunda a politização que cerca o tema, joga o País no confronto, e aposta que isso lhe renderá dividendos políticos.
Quanto a Rodrigo Maia, a resposta do Congresso à crise pode e deve ser criticada. O pacote de bondades da Câmara joga o ônus nos ombros da União sem exigir contrapartida dos governadores. O debate entre uma ajuda com valor fixo versus uma compensação de 100% da queda de arrecadação é um debate válido e técnico — mas, mesmo quando tem razão, Bolsonaro consegue botá-la a perder quando parte para o discurso golpista.
Se é que há “forças ocultas” da Velha Política atuando aqui (como sussurram os bolsonaristas), se é que a Câmara estava mesmo fazendo demandas antirrepublicanas, então por que o Presidente anda se reunindo com os partidos mais fisiológicos do Congresso para oferecer cargos em sua guerra contra Maia?
Mais: ninguém nega que a política brasileira tem seus vícios e defeitos, mas será que a hora de litigá-los é no meio de uma pandemia global? A campanha eleitoral não termina nunca?
Mas talvez não tenhamos nada com que nos preocupar, e tudo isso seja barulho.
Talvez não haja ‘crise institucional’ nenhuma pelo simples fato de que as Forças Armadas brasileiras, que já expulsaram Bolsonaro uma vez, sabem bem com quem estão lidando.
No livro “Ernesto Geisel,” Geisel já dizia aos pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas o que o Brasil podia esperar de Bolsonaro, então ainda deputado:
“O Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar. (…) “Quantos vêm falar comigo, me amolar com esse negócio: ‘Quando é que o Exército vai dar o golpe? O senhor tem que agir, é preciso voltar!’
São as vivandeiras!”