MIAMI – Acaba de começar o maior campeonato de clubes da história – e ele é menos sobre taças e mais sobre negócios.

Com US$ 1 bilhão em prêmios, o novo Mundial de Clubes é a maior aposta comercial da história da FIFA: transformar o futebol de clubes num produto global, com receitas à la NBA, petrodólares como combustível e os Estados Unidos como palco.

Se der certo, os clubes virarão ativos de mídia, e a entidade poderá finalmente centralizar o jogo sob sua gestão, com alcance direto sobre o maior mercado consumidor do mundo.

A sede do mundial não é coincidência: os EUA concentram os maiores patrocinadores do esporte, as plataformas de mídia mais relevantes, e o consumidor disposto a pagar por entretenimento premium.

A DAZN – o streaming de esportes de Len Blavatnik – pagou US$ 1 bilhão para fazer a transmissão global. Pouco antes, a própria DAZN recebeu o mesmo valor do PIF, o fundo soberano da Arábia Saudita, que também se tornou patrocinador oficial do torneio.

A opção da FIFA pela DAZN não foi apenas financeira: a plataforma se comprometeu a transmitir os jogos gratuitamente, uma forma de escalar audiência e plantar a semente para a Copa do Mundo de 2034, que acontecerá em solo saudita.

Enquanto Riad investe em soft power, tentando redesenhar sua imagem e atrair turistas, a FIFA testa um novo modelo de negócios: mais “eyeballs”, mais receita recorrente, e mais influência num ecossistema ainda orbitado pela UEFA.

06 22 Gianni Infantino ok

O arquiteto do projeto é Gianni Infantino. Presidente da FIFA desde 2016, Infantino quer reduzir a dependência da UEFA e centralizar as grandes receitas em sua entidade.

Seu ego também entrou em campo: ele mandou gravar seu nome e a frase “Inspirado pelo presidente da FIFA Gianni Infantino” na base do novo troféu, uma peça de ouro 24 quilates produzida pela Tiffany & Co.

O plano inclui um sistema de premiação agressivo. Chelsea e Manchester City receberam US$ 38 milhões apenas para participar. Clubes da América do Sul, África e Ásia ganharam entre 10% e 20% disso, mas podem multiplicar esses valores com desempenho.

O campeão leva US$ 40 milhões. O vice, US$ 30 milhões. Semifinalistas ganham US$ 21 milhões, e os clubes que chegarem às quartas levam US$ 13 milhões.

Ao todo, são US$ 525 milhões em participação garantida e mais US$ 475 milhões por performance. O suficiente para transformar clubes médios em novos gigantes regionais de receita, ou, nas palavras do mercado, viabilizar uma “corrida da Cinderela” com final feliz e em moeda forte.

O modelo é promissor, mas cobra caro dos protagonistas. Vini Jr. e Valverde, ambos do Real Madrid, podem ultrapassar 80 jogos e 60 mil quilômetros voados numa única temporada. A FIFPRO, o sindicato global dos jogadores, já formalizou protestos. Pep Guardiola, técnico do Manchester City, chamou o calendário de “insustentável”.

Ainda assim, o bônus segue ditando o ritmo: o Real Madrid prometeu US$ 1 milhão a cada jogador em caso de título. No futebol, muitas vezes o dinheiro fala mais alto que a arte.

A Flórida virou a nova sede da FIFA. Infantino se mudou para Coral Gables, e Orlando é a única cidade com dois estádios no torneio (o Inter&Co Stadium, do Banco Inter, e o Camping World).

Coca-Cola, Visa e Bank of America estão entre os patrocinadores principais. O Bank of America garantiu exclusividade global no setor financeiro, mesmo sendo um banco com atuação quase 100% americana.

A política de preços reflete a busca por ocupação e narrativa: ingressos para jogos menos atrativos caíram de US$ 250 para US$ 50. Já partidas como Real Madrid x Al Hilal chegaram a custar US$ 7 mil no mercado secundário, sinal de que o americano está pronto para pagar caro por um produto esportivo premium.

Entre os 32 clubes, quatro são brasileiros. Botafogo, Palmeiras, Flamengo e Fluminense. Cada vitória na fase de grupos paga US$ 1 milhão. Passar para as oitavas garante mais US$ 2 milhões, valores comparáveis à premiação de toda uma temporada do Brasileirão.

Nas bets online da DraftKings, os brasileiros são azarões. Uma aposta de R$ 100 na vitória do Flamengo contra o Chelsea pagava R$ 320. Sorte de quem apostou. No entanto, os favoritos ao título são os suspeitos de sempre: Real Madrid, Manchester City, PSG e Bayern, um reflexo do domínio financeiro dos clubes-Estado.

Mesmo que não tragam o troféu, os clubes brasileiros ganham visibilidade global e seus jogadores podem entrar no radar da Seleção para 2026. Frente aos patrocinadores, é uma oportunidade de exposição rara, com audiência planetária e narrativa emocional. Marcar um gol pode ir muito além de ganhar um jogo. 

Essa visibilidade, inclusive para clubes fora do eixo europeu, é parte central do business case da FIFA. Quanto mais regiões se sentirem representadas e com chances reais de retorno financeiro, maior será o engajamento global, e maior o valor da audiência que se pretende capturar.

No fim, quem ganha?

O novo Mundial é, acima de tudo, um stress test: da FIFA, do futebol como produto e da disposição dos torcedores em consumir conteúdo em nova escala.

Para a FIFA, é uma aposta bilionária para virar protagonista do futebol de clubes. Para a Arábia Saudita, é parte de um plano que vai além do petróleo. Para os EUA, é a chance de consolidar o futebol como produto de massa, com patrocínios, mídia, estádios cheios e influência cultural. Gerar riqueza como de costume.

O futebol foi à América para virar negócio. Se funcionar, o troféu de ouro 24k será só um detalhe. E se não funcionar, o mundo vai assistir do mesmo jeito, de graça.

Kaio Philipe é CMO do Banco Inter.