BRUSQUE, Santa Catarina – O Véio da Havan está preocupado com os rumos do Brasil — mas em relação à “lojinha”, ele não tem do que se queixar.
Com 177 megastores espalhadas pelo País, a Havan teve um resultado recorde no ano passado, com uma receita bruta de quase R$ 16 bilhões e uma melhora relevante de rentabilidade.
Auditado pela EY, o balanço que acaba de ser publicado mostra um crescimento de receita de 22,2% em 2024. Com isso, a Havan fatura hoje mais que o dobro do que vendia em 2018, quando faturou R$ 7 bilhões.
O EBITDA cresceu 81,5% para R$ 2,8 bilhões, e o lucro líquido bateu R$ 2,7 bilhões, um aumento de 82,5% ano contra ano – ajudado por um resultado financeiro de mais de R$ 640 milhões.
A margem líquida do ano ficou em 22,8% (comparado a 9,4% na Renner, por exemplo), mas bateu 24,8% no quarto tri.
Nos últimos anos, a Havan também desalavancou: passou de uma dívida líquida de R$ 230 milhões em 2021 para um caixa líquido de R$ 3,8 bilhões em 2024.
O que aconteceu?
“Eu voltei pra operação,” o Véio – aliás, o empresário Luciano Hang – disse ao Brazil Journal, citando uma redução forte no estoque, uma política de crédito mais restritiva e os investimentos que a companhia fez no exterior, que se valorizaram com a alta do dólar.
Luciano disse que voltou a focar na operação logo após a última eleição presidencial.
“Com o tempo, toda empresa acaba andando meio frouxa. Mas sempre que tem alguma crise, como em 2008, 2015 e 2022, eu venho para a operação e começo a olhar para a compra, para a venda, para tudo,” disse ele. “O fundador acaba tendo mais conhecimento porque foi ele que montou o negócio, e consegue mudar de uma hora para outra. E aí você reinventa o negócio.”
Assim que voltou para o dia a dia, em dezembro de 2022, Luciano mandou cortar o crédito de todo cliente que não estava com os pagamentos do cartão em dia — eram mais de 2 milhões de clientes.
A medida dramática gerou resultado: a inadimplência caiu de 11% em 2022 para 3% hoje.
A Havan também fez um trabalho de redução de despesas administrativas: de acordo com o balanço, em 2024 elas foram 23,9% menores que no ano anterior.
Por fim, a varejista também teve um ganho expressivo com a variação cambial. Depois da eleição de Lula, Luciano decidiu aumentar a parcela do caixa da família investida no exterior – o que gerou um ganho de R$ 415 milhões ano passado, elevando o lucro consolidado do grupo para R$ 3,1 bilhões.
“Eu sabia que isso [a alta do dólar] ia acontecer,” disse Luciano.
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No final de 2020, Itaú, XP e BTG começaram a trabalhar num IPO que poderia avaliar a Havan em R$ 50 bi. (Na época, a companhia lucrava R$ 2 bi, e varejistas como a Renner negociavam a 25x lucro). Para efeito de comparação, na época o Magalu valia R$ 160 bi, e a Renner, R$ 35 bi.
Gestores que visitaram a empresa ficaram impressionados, mas a operação acabou não acontecendo porque o mercado esfriou. Hoje, Luciano acha que foi melhor assim.
“Não me arrependo e fiquei feliz de não ter vendido. Um CEO muitas vezes tem que jogar pra torcida, pro mercado, e às vezes isso não é bom para o negócio.”
O balanço da Havan é auditado desde 2012, e desde 2015 a empresa tem um conselho consultivo, hoje formado por Américo Breia, o lendário investidor de Bolsa e amigo de Luciano há 40 anos; Cesar Buffara, o controlador da Britânia Eletrodomésticos; Décio da Silva, o chairman da WEG; Altamir Silva, o ex-chefe do banco de atacado do Safra. Felix Theiss, um ex-secretário da Fazenda do estado, faz parte do conselho de administração.
A Havan tem rating pela Fitch há quase 10 anos. Lá atrás, começou com A- e, em setembro, chegou a AAA.
A empresa tem três aviões – incluindo um Global 6000, que custou R$ 250 milhões no câmbio de 2019 – e dois helicópteros, mas como diz Luciano, “é tudo pra trabalhar!” No ano passado, o fundador visitou todas as lojas, além de terrenos e obras das novas lojas.
O modelo de negócios criado por Luciano não tem similares no Brasil.
Com megalojas inspiradas na arquitetura da Casa Branca — com colunas iônicas na fachada — e cópias da Estátua da Liberdade à frente, a Havan cresceu escolhendo cidades pequenas demais para ter um grande shopping, e acaba se tornando a atração da região. Todas as lojas têm praça de alimentação – algumas, até cinema – além de oferecer um mix variado de produtos, à semelhança do Wal-Mart. Cerca de 300.000 SKUs passam pelas lojas ao longo do ano.
A Havan também desafia outra verdade convencional do varejo: em vez de alugar vários CDs espalhados pelo Brasil, Luciano decidiu ter apenas um, altamente automatizado, que abastece todas as lojas — e já comprou todo o terreno ao redor para uma futura expansão.
Essa postura contrarian é a cara do próprio Luciano – um homem ligado no 220 volts e apelidado por um amigo de “o Rapidinho” – que costuma dizer: “As pessoas vão todas pro mesmo lado e acabam batendo na parede.”
Nas conversas para o IPO, Luciano disse aos investidores que acredita haver espaço para 700 lojas no Brasil.
Há alguns anos, ele abriu uma loja no Acre só para provar uma tese: “Se eu conseguisse levar uma carreta de produtos de Santa Catarina para o Acre e ainda assim rentabilizar essa loja, eu podia crescer em qualquer lugar,” explicou a um potencial investidor. A loja já nasceu no azul.
Conhecido universalmente como “o Véio” (apesar de ainda ter apenas 62 anos), e eternamente embrulhado num terno ou camiseta verdes, Luciano é um notório apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, e durante seu Governo assumiu um perfil político raro no meio empresarial. Como resultado, a Havan é geralmente exaltada por bolsonaristas e odiada pela esquerda — uma posição impensável para uma companhia listada.
“A Havan é o Luciano, com tudo que isso tem de bom e ruim,” diz um gestor que conheceu o empresário na visitas para o IPO e passou a admirá-lo.
Outro analista que também gostou da empresa diz que “ficou claro que a política é uma coisa que ele não separa na vida dele… Ele faz aqueles vídeos dentro da empresa. Se estivesse na Bolsa, não poderia ser assim.”
O dia a dia de Luciano é visitar lojas, abraçar e tirar fotos com os 22 mil colaboradores, e apertar os parafusos da operação.
“Estamos crescendo 15% janeiro e fevereiro, e em 2025-2026 vamos investir R$ 1 bilhão e abrir 20 lojas,” disse Luciano.
No ano que vem, quando a Havan completa 40 anos, ele prevê faturar R$ 20 bi e chegar a 25 mil colaboradores.
Depois de passar horas com o empresário, visitando a sede da empresa, o CD em Barra Velha e uma loja – não há como não especular que a política possa estar em seu futuro.
Quando chega a uma loja, os funcionários recebem Luciano com o grito de guerra da empresa: “Força, garra, determinação/Encantar nosso cliente/Esta é nossa missão.” Ele retribui com palmas, beijos e abraços, e me diz:
“Não tem como dar errado uma empresa dessa. E assim deveria ser o nosso País: o líder é quem empolga, o cara entusiasmado, que mostra o caminho. Às vezes, para você emagrecer, você precisa fazer regime. O líder sabe aplicar o remédio, sabe que você vai passar mal, mas que lá na frente vai sair melhor.”