01Nos cobiçados desfiles em palácios e locações luxuosas de Paris, celebridades, críticos de moda e o jet set global se reúnem anualmente para admirar e consumir a alta-costura.

Mas nesta temporada, um convidado inusitado está pisando mais forte: o funk ‘proibidão’ brasileiro.

A trilha sonora dos desfiles que custam milhões de euros está dominada por hits que embalam os pancadões de sábado na Rocinha e Heliópolis.

Versões de “Machuca Machuca” e do “Bonde das Oncinhas” – com palavrões, versos explícitos e obcecados pelas anatomias feminina e masculina – foram usadas em alguns desfiles e embalaram os vídeos na internet.

Algumas grifes exibiram suas coleções nas passarelas ao som de trechos do pancadão. Outras, depois de exibir as criações no evento físico com músicas clássicas, também recorreram ao pesadão para produzir versões para o mundo digital. Nomes como Jacquemus e as revistas especializadas da Condé Nast surfaram na batida do funk brasileiro para capturar a atenção de uma audiência mais jovem e conectada.

A tendência foi ganhando força no TikTok nos últimos meses até culminar na semana de moda de Paris.  

Um dos principais estilistas da moda francesa atual, Simon Porte Jacquemus tem mais de 6,6 milhões de seguidores no Instagram e outros 1,1 milhão no TikTok. 

Ele colocou a modelo americana Alex Consani para desfilar um vestido de plumas off white ao som de “Machuca Machuca”, cuja letra diz: “Machuca machuca, me taca a pir@%$ seu filho da P%@3.”

Teve mais de 3,3 milhões de visualizações.

 Para marcar seu retorno ao calendário oficial dos desfiles de Paris – depois de seis temporadas fora – Jacquemus convidou o influenciador Ryniel Pineda para dançar num vídeo ao som de “Bonde das Oncinhas”.

O vídeo foi o convite oficial para o desfile – e transmitido ao vivo no TikTok. 

A “collab” já atingiu 11 milhões de views. “Essa diva chegou cedo,” escreveu a marca na legenda da publicação.    

Para Lílian Carvalho, uma professora de marketing da FGV, o uso de músicas brasileiras pelas marcas de luxo nas redes sociais é estratégico. “Os usuários brasileiros chamam o engajamento e fazem muitas coisas viralizarem. Nós somos conhecidos como o País do engajamento,” disse. 

Para ela, as marcas de luxo estão usando o mesmo playbook que já havia sido descoberto por Hollywood e influenciadores internacionais. Para o perfil da Vogue americana no TikTok, por exemplo, funk é algo corriqueiro. 

No ano passado, logo após assumir a direção criativa da Louis Vuitton Men, o cantor Pharrell Williams usou um trecho da canção “Sento no Bico da Glock,” do DJ Gabriel do Borel, durante o desfile. A música diz frases como: “O Gabriel arrancou meu cabaço E me botou de quatro botando pra fud@$.”

 No desfile de verão 2022, a Mugler também já havia virado motivo de conversa nas redes sociais, ao colocar outro “proibidão” – “Na pepeka sem camisinha” – como trilha sonora de um desfile. 

Mesmo que a escolha dessas músicas pareça se basear apenas na batida, é improvável que os gestores das grandes maisons francesas não tenham verificado as letras em alguma ferramenta de tradução.

Para Lilian, da FGV, a escolha é intencional, em especial quando a música faz parte da construção de sensualidade de alguns desfiles. 

“Essa é a nossa imagem fora do Brasil, e eles sabem,” disse.