Uma fusão entre a Petz e a Cobasi – que voltou aos holofotes do mercado nos últimos dias – criaria um player dominante num setor em franco crescimento e reduziria as pressões da competição, tornando o setor mais racional em preços.
A fusão das duas gigantes do varejo pet – num momento macambúzio para o varejo como um todo – também traria sinergias de escala, com um maior poder de barganha com a indústria, e operacionais, com a otimização da logística e do back office e financeiro.
Em outras palavras: com a manipulação genética correta, um pinscher e um chihuahua podem dar origem a um Doberman.
E há ainda uma questão de timing: o caso da Raia e Drogasil, que se fundiram em 2012, mostra que quando a consolidação acontece sooner rather than later, a empresa combinada tende a ter retornos melhores.
“Um setor que não tem uma consolidação organizada – enquanto está aumentando a penetração e crescendo – tende a ter um retorno menor no longo prazo, porque os players acabam abrindo lojas em lugares parecidos e disputando preço. Quanto mais organizada essa consolidação for, melhor,” disse um gestor. “Se juntar esses dois players dá para disciplinar mais a alocação de capital de forma a capturar o economics do setor.”
No caso da Raia e Drogasil, o setor de farmácias continuou competitivo após a fusão, mas com um nível de retorno alto – justamente porque os players se organizaram nessa última fase da consolidação.
Outro analista reforça essa visão, lembrando que a Petz e a Cobasi têm planos agressivos de expansão para o ano que vem, com um guidance de 20 a 30 novas lojas cada.
Sem a fusão, a chance dessas lojas serem abertas em locais próximos é muito grande, o que tende a prejudicar o retorno de ambas as empresas.
O overlap das lojas da Petz e Cobasi já é relevante hoje: o JP Morgan calcula que 22% das lojas da Petz estão a um raio de um quilômetro de distância de pelo menos uma loja da Cobasi, enquanto cerca de 60% das lojas estão a um raio de 3 quilômetros de uma loja da rival.
“Ainda é algo que dá para trabalhar e ajustar,” disse o analista. “Mas se demorar muito, a situação pode ficar mais complicada.”
Em conversas com investidores, as próprias empresas têm dito que se a fusão não sair num curto espaço de tempo – algo como os próximos doze meses – o overlap pode se tornar grande demais, e a transação não fazer mais sentido.
A Petz e a Cobasi têm tamanhos praticamente equivalentes hoje. A Petz tem 231 lojas e fez uma receita líquida de R$ 2,6 bilhões ano passado – excluindo a Zee.Dog, que tem sido um detrator de resultado. Já a Cobasi tem 220 lojas e fez uma receita de R$ 2,1 bi no mesmo período.
Em termos de rentabilidade, a Petz sai ligeiramente na frente, com uma margem bruta de 47,6% no ano passado e margem EBITDA de 10,7%. Já a Cobasi fez 44,9% e 8,9%, respectivamente.
A fusão criaria um líder com folga no setor, com um market share de 15% e faturamento de cerca de R$ 5 bi.
O segundo player passaria a ser a Petlove, que opera praticamente só no digital e cuja receita líquida não chega a R$ 1 bilhão. Recentemente, a Petlove começou a abrir lojas físicas, mas teve que pisar no freio para conter sua queima de caixa.
Petz e Cobasi têm aspectos complementares, que poderiam ser trabalhados por cada uma delas.
“A Cobasi parece ter um atendimento em loja melhor, mas a Petz já investiu mais em tecnologia, em sistemas,” disse um gestor. “Daria para as duas marcas conviverem juntas nas grandes capitais, mas posicionar cada uma de forma diferente em outras regiões, assim como a Raia Drogasil fez.”
Essa não é a primeira vez que a Petz e a Cobasi discutem uma fusão. Depois do IPO da Petz, as duas companhias já haviam tentando uma combinação dos negócios, mas as discussões acabaram esfriando.
Mais recentemente, as duas engajaram bancos para avançar nas tratativas. A Petz trabalha com o Itaú BBA; a Cobasi, com o Morgan Stanley.
Segundo uma fonte, as questões de governança da nova empresa já parecem estar pacificadas. O mais provável é que o CEO da Cobasi, Paulo Nassar, assuma o comando da nova empresa, com o CEO e fundador da Petz, Sergio Zimerman, ficando apenas no conselho.
O entrave parece ser mesmo o valuation.
Depois de uma correção brutal, a Petz hoje vale R$ 2,4 bilhões na B3, negociando a um múltiplo de 4,6x EV/EBITDA para este ano. (Nem mesmo a notícia de que as conversas estão esquentando, publicada na manhã de segunda-feira, foi capaz de ressuscitar o papel, que negocia perto de sua mínima histórica).
Já a Cobasi foi avaliada em R$ 3,8 bilhões numa rodada em abril de 2021, na qual a Kinea, a gestora de private equity do Itaú, pagou R$ 300 milhões por cerca de 8% da empresa.
No começo deste mês, a Kinea e a Tyton Capital, também acionista da Cobasi, remarcaram para baixo seu investimento para refletir os novos múltiplos do setor. A Kinea disse que reduziu seu valuation para a empresa em 15%; a Tyton, em 10%.
No caso da Kinea, a remarcação reduziria o valuation para algo próximo a R$ 3 bilhões, o valor em que a Petz negociava naquele momento. Na época, gestores viram a remarcação como uma sinalização de que as tratativas da fusão poderiam estar avançando.
De lá para cá, no entanto, o valor de mercado da Petz caiu mais 25%.
“Se a Petz estivesse valendo uns R$ 5-6 bi, fazer esse deal seria muito fácil. O problema é que o valor de mercado da Petz está muito abaixo do que a família Nassar acha que a própria Cobasi vale,” disse uma fonte.
Eventualmente, os dois lados precisarão olhar além do valuation de curto prazo se quiserem capturar o tipo de múltiplo, os retornos e a liderança absoluta de mercado que uma Raia Drogasil desfruta hoje.