Numa das histórias de destruição de valor mais instantâneas de uma empresa brasileira, a Netshoes desabou 44% hoje após a divulgação dos resultados do primeiro trimestre. O volume negociado foi vinte vezes a média diária.
Desde sua estreia na Bolsa de Nova York há pouco mais de um ano, a empresa já perdeu 84% do valor — listada a US$ 18, a ação agora negocia a US$ 2,87.
Um número bem específico causou pânico no balanço divulgado ontem à noite: a companhia saiu de uma posição de caixa de R$ 396 milhões para R$ 60,7 milhões em apenas três meses.
A sangria tem a ver com uma mudança de estratégia num assunto bem brasileiro: a forma como a Netshoes vinha monetizando as vendas parceladas.
Até o fim do ano passado, a companhia antecipava com os bancos boa parte dos recebíveis de cartão de crédito, transformando em caixa uma receita futura ao custo de uma maior despesa financeira. Nos últimos meses, com a chegada de um novo CFO, a companhia decidiu que não valia a pena ter essa despesa e cortou boa parte da antecipação de recebíveis, com efeito negativo na geração de caixa.
“Essa coisa de antecipação de recebíveis é um troço muito tupiniquim e é difícil de explicar para a base de acionistas, que é muito concentrada em fundos gringos de tech”, diz um dos poucos gestores locais que ainda tem alguma posição no papel.
Com a empresa valendo menos de US$ 90 milhões agora, muitos investidores estrangeiros tendem a liquidar suas posições, especialmente num momento em que o real se desvaloriza frente ao dólar.
Para piorar o quadro, a porrada no caixa da Netshoes não veio acompanhada de um aumento proporcional nas vendas. O GMV — o valor total das mercadorias vendidas — subiu 5,2% no primeiro trimestre.
A companhia continua entregando o arroz com feijão, mas está longe de produzir o crescimento que o CEO e fundador Marcio Kumruian vendeu durante o IPO. Aliás, nem o arroz com feijão está lá essas coisas. A receita ficou de lado, com alta de 0,8% para R$ 399 milhões; como parte das vendas é feita via marketplace, onde a empresa só recebe comissões, há uma diferença em relação ao GMV.
O EBITDA também foi do azul para o vermelho, saindo de R$ 3,6 milhões positivos para R$ 29 milhões negativos.
“O desempenho operacional não trouxe nada para comemorar, mas tirando essa confusão com o caixa, não era para cair tanto”, diz um gestor.
A Netshoes estreou na Bolsa em abril de 2017 com um valuation de US$ 556 milhões, metade do que pretendia quando começou as conversas com investidores em meados do ano passado.
Mais da metade do book ficou concentrado em cinco grandes investidores, o que ajudou no desmonte do papel quando a história de crescimento e geração de caixa começou a azedar.
Em meio à confusão e a derrocada das ações na Bolsa, a Netshoes trocou a diretoria financeira. Em fevereiro, Alexandre Olivieri — que já foi CFO da Hypermarcas, da Fastshop e estava no Grupo São Francisco — assumiu o cargo no lugar de Leonardo Dib, que estava na companhia desde 2013 e ajudou a fazer o IPO.
Procurada pelo Brazil Journal, a empresa não quis comentar o resultado.