Com as oil majors mudando seu foco para o pré-sal e a Petrobras se desfazendo de campos maduros, a PetroRio conseguiu criar um negócio que não existia no Brasil até recentemente: a petroleira que opera e revitaliza ativos cujos melhores dias já ficaram para trás.
A estratégia tem dado certo. Desde que Nelson Tanure comprou os despojos da antiga HRT em 2015, a ação da logo-rebatizada PetroRio multiplicou 16x. Fundos em que Tanure participa detêm pouco menos de 30% da companhia.
O negócio da PetroRio envolve uma gestão ativa de seu portfólio. Em 2014, comprou o campo do Polvo; em 2018, o campo de Frade; e neste ano, o Tubarão Martelo — criando um cluster de ativos interligados. Resultado: de 2017 para cá, o lifting cost da companhia caiu de US$ 40/barril para menos de US$ 13.
“Só compramos campos onde conseguimos acoplar a nossa infraestrutura existente,” diz o CEO Roberto Monteiro, um ex-executivo da ALL e ex-CFO da OSX e OGX.
O campo de gás de Manati, que ficou no portfólio três anos, foi vendido hoje por R$ 144 milhões.
Agora, a PetroRio está com um pipeline agressivo de aquisições para os próximos 14 meses — são pelo menos cinco alvos — e tem planos para fazer um follow-on (o primeiro desde a entrada de Tanure).
A PetroRio vale R$ 4,6 bilhões na Bolsa. (Quatro dos sete membros do conselho são independentes; Tanure tem os outros três assentos.)
Monteiro conversou com o Brazil Journal sobre a estratégia e o futuro da empresa.
O elefante na sala para muitos investidores é o investimento que a PetroRio fez na Oi lá atrás, que fugia do mandato e do foco da empresa em petróleo. O que garante que vocês não farão isso de novo?
Se você olhasse para o nosso pipeline de M&As na época, praticamente não tinha nada. Não existiam investimentos. A Petrobras ainda não estava nesse clima de desinvestimentos, o Brasil não estava nesse clima de desinvestimentos, nem outras companhias… a PetroRio mesmo estava num momento super incipiente, então era um momento completamente diferente de mercado.
Hoje em dia, quando olhamos, temos muito mais projetos no nosso pipeline — todos relacionados a óleo e gás — do que capacidade financeira para investimentos. Do ponto de vista informal, de negócios, já existe uma diferença enorme entre o que era a companhia lá atrás, quando a gente achou que aquela fosse a melhor decisão, e o que a companhia é hoje. Estamos completamente focados, crescendo muito, e já multiplicamos por quase 5x nossa produção desde aquela época.
Do ponto de vista formal, quando falamos de ‘desvio de mandato’ isso é muito mais uma percepção, porque quando olhamos o nosso estatuto daquela época, o estatuto permitia fazer isso. Pode ter uma discussão filosófica se deveríamos ter feito ou não, mas o estatuto permitia… De qualquer forma, hoje já temos alguns financiamentos que não permitem esse tipo de investimento. Por fim, o conselho está debatendo e provavelmente vamos ajustar o estatuto social limitando a empresa ao setor de energia.
Como o preço do petróleo afeta vocês? Os contratos são de longo prazo, ou no mercado spot?
O que achamos que maximiza o resultado para a companhia é o contrato spot porque, mesmo que você tenha um contrato de longo prazo, não existe como fixar o desconto ao longo do contrato. Assim, o efeito pratico é que a companhia passa a ter só um comprador, eliminando a competição. Como operamos no spot, a gente faz cargas de 1 milhão de barris, seja no campo de Frade, seja Tubarão Martelo e Polvo. E para cada carga fazemos um leilão: chamamos vários compradores e eles oferecem descontos em cima do Brent médio daquele mês. Quem oferece o menor desconto acaba levando a carga.
Mas com o preço deprimido como está, em termos histórico, o que acontece? Tem aumentado o desconto em relação ao Brent? Como tem sido essa dinâmica no pós-covid?
Hoje você tem duas coisas: o preço do Brent, que é o preço de tela, e aí fazemos hedge. Toda vez que vemos o Brent subindo e chegando a níveis que achamos que faz sentido fazer hedge, a gente faz. É oportunístico, mas fazemos hedge comprando puts, então travamos o piso. Agora, por exemplo, temos todas as vendas até o final do ano travadas em US$ 43,50. Temos 4 milhões de barris para serem vendidos no quarto trimestre e tudo isso está travado a no mínimo US$ 43,50. Porque logo depois da covid, quando o petróleo subiu, chegou ali a US$ 44, US$ 45, falamos: ‘vamos fazer um hedge aqui, comprar puts’ porque pode ser que tenha a segunda onda, confusão com eleição… então travamos no mínimo. E hoje o Brent no spot está em cerca de US$ 40.
O preço do petróleo é a primeira vertente. A segunda é o desconto. Quando a crise ficou bem aguda, como tinha aquela questão do estoque americano, todo mundo contratava navio para usar de estoque. Então a taxa diária do navio subiu muito, e esse desconto que temos ele inclui o navio, a logística… A gente vende óleo com desconto de em média US$ 4-4,50 em Polvo e Tubarão Martelo e US$ 1,50-2 em Frade. Quando teve a covid, os descontos chegaram a US$ 18! O Brent estava em US$ 20, e fizeram oferta pra gente para comprar com desconto de US$ 18 — pra gente ia sobrar US$ 2. Claro que a gente não vendeu.
Parte da nossa estratégia na covid foi não vender. A gente encheu todos os estoques da companhia até onde dava para vendermos com menos desconto. No final do segundo trimestre voltamos a acessar o mercado para vender e aí já conseguimos fazer preços com descontos de US$ 7 para Polvo e US$ 4 para Frade. Hoje, já estamos vendendo aos mesmos preços do ano passado: abaixo de US$ 2 de desconto em Frade e abaixo de US$ 4,5 Polvo. Então, no desconto o mercado praticamente já voltou ao normal. O que ainda não voltou foi o preço do Brent.
Qual é o preço de breakeven para vocês?
No terceiro trimestre gastamos US$ 12,8 por barril vendido. Esse é o nosso lifting cost, o custo para produzir o barril. Em cima desse lifting cost você tem que colocar o SG&A da companhia, que custa uns US$ 2 o barril ou menos no nosso caso. Então o breakeven está abaixo de US$ 15 com certeza absoluta.
O seu lifting cost caiu drasticamente desde 2017. Chegou a bater US$ 44 e agora está nos US$ 12,8 que você falou. Ainda tem espaço para reduzir, ou já chegou no limite?
Tem espaço. A redução não vai ser tão violenta quanto o que fizemos nos últimos anos, mas tem espaço para continuar caindo sim. Isso é o nosso modelo de negócios: comprar o campo maduro, revitalizar, aí você ganha produção, você dilui aquele custo numa base maior e também atua para reduzir os custos. Quando você junta as duas coisas, isso é muito forte. Também tem as sinergias, que são grande parte dessas reduções de custo. Se você olhar, a grande redução de custos que tivemos foi depois de Frade, porque conseguimos usar a infraestrutura que temos (helicóptero, embarcação de apoio, embarcação de oil spill) de forma compartilhada com toda a estrutura da companhia. Com isso conseguimos otimizar muito os custos.
A gente aprendeu isso no Golfo do México: fomos uma vez em 2015 fazer um estudo para um campo de petróleo no Golfo do México e vimos como eles trabalhavam. E trabalham assim, com sistemas de clusters, um conjunto de campos, e eles dividem tudo… infraestrutura de produção, vão juntando as coisas, e quando você vê eles tem um custo baixíssimo.Trouxemos esse modelo para o Brasil. Em Frade conseguimos compartilhar muitos ativos e agora com Tubarão Martelo vamos conseguir tirar um FPSO (unidade flutuante de armazenamento e transferência) exatamente por isso, porque vamos compartilhar a produção. Então ainda tem muito espaço para continuar caindo o lifting cost.
Existem ativos adjacentes a seus campos atuais que estão à venda e vocês podem comprar?
Tem. Tem muita coisa que está à venda. As majors todas estão migrando para o modelo de pré-sal. Basta olhar em volta de Tubarão Martelo, de Polvo. Em Frade também tem bastante coisa em volta. Só pra dar um exemplo: Albacora está à venda e é um campo quase vizinho de Frade. Se conseguirmos ser bem sucedidos num bid para Albacora teríamos muitas sinergias com Frade.
Quando vocês compraram Tubarão Martelo da Dommo, vocês puderam mandar o FPSO de Polvo embora e ligaram os campos. Esse caso é só um exemplo de tudo isso que você acabou de descrever?
Acho que esse é o exemplo mais completo da nossa estratégia. No caso de Tubarão Martelo e Polvo, a gente ainda não ligou os campos Tem um timing pra isso. Temos os dois FPSOs trabalhando e o FPSO de Polvo vai embora em julho do ano que vem. Mas esse é o exemplo mais completo. Quando a gente fala de aquisições inteligentes, essa está no topo da lista, porque a gente junta não só a embarcação de apoio, helicóptero, base logística, mas também o equipamento de produção… tiramos o FPSO. Só para ter uma ideia, o FPSO de Polvo custa entre leasing, manutenção e diesel que ele consome cerca de US$ 50 milhões por ano. Então é uma aquisição que você já larga tirando US$ 50 mi do seu custo. E custa menos de US$ 50 mi para conectar, então é um investimento que não tem como não ganhar dinheiro.
Esses ativos que estão no mercado, se vocês comprarem vocês pretendem se financiar com equity ou podem só fazer uma dívida estruturada?
Dependente muito do stake. Albacora é um ativo grande. Então nesse caso específico pensamos em fazer um bid junto com algum outro parceiro, que tenha uma cabeça parecida com a nossa. É importante que a gente seja operador, porque só sendo operador conseguimos capturar todas essas sinergias. Com isso, conseguiríamos fazer nosso bid com equity e financiar o resto via dívidas. E aí podem ser dividas via RBL [reserve-based lending], pré-pagamento de exportações.
Qual a probabilidade de vocês virem a mercado para um follow-on para financiar aquisições?
É alta. Não consigo te dizer exatamente o timing, se vai ser nos próximos meses. Mas é alta. Quando pensamos na companhia a gente pensa numa métrica de alavancagem que é dívida líquida/EBITDA. Hoje, essa métrica está em 1,9x. Quando compramos Tubarão Martelo lá atrás estava em 2,3x. E agora está caindo porque estamos agregando EBITDA reduzindo custos. Em nenhum momento gostaríamos de passar de 2,5x, 2,7x. Achamos que passando disso você engessa a companhia. A empresa passa a viver em função do credor, o que não é bom para uma empresa que vive de M&As.
Temos algum espaço de alavancagem, mas não é muito. Para manter esse múltiplo em padrões razoáveis podemos ter que acessar o mercado de equities sim. Para aquisições pequenas, não tem necessidade. Mas para coisas mais relevantes sim.
Qual o pipeline de M&As para os próximos 14 meses?
Temos cerca de cinco projetos interessantes que estamos olhando para comprar.
Qual sua visão sobre o futuro do petróleo, com essa tendência de eletrificação que se fala muito no mundo? Vocês pensam em algum momento em entrar em outras fontes de energia?
A PetroRio, como todas as empresas do setor, em algum momento vai ter que se reinventar. Toda a empresa vai ter que se reinventar em algum momento da vida. Os jornais tiveram que se reinventar, os bancos tiveram que se reinventar pelas fintechs… e nossa indústria não é diferente. Vamos ter que nos reinventar de alguma maneira. Agora, a gente não é tão fatalista que nem a BP, a Exxon, a Shell…’ah, a partir de janeiro acabou o petróleo’. A gente não tá nessa. Achamos que temos um lifting cost super competitivo, que aguenta muito desaforo. Nos preparamos para a volatilidade e achamos que no futuro vamos ter que nos reinventar…
Uma coisa que todas as empresas têm feito é pendendo para o setor de energia mais amplo. Essa pode ser uma possibilidade para a PetroRio. É uma discussão que temos no conselho, mas é uma discussão mais filosófica por enquanto. Longe de ter alguma ação como você vê com a BP, que está fazendo aquele estardalhaço todo. Achamos que o mundo quando acabar a covid vai ser um pouco diferente, mas não achamos que a demanda por petróleo vai acabar.