Duas notícias nas últimas 48 horas produzem uma fotografia de como investimentos no setor de energia — altamente intensivos em capital — estão cotidianamente sujeitos aos humores do Ministério Público e canetadas de juízes, um retrato da insegurança jurídica crônica no setor.

Ontem, o Ministério Público Federal conseguiu uma decisão na Justiça para revogar licenciamentos que a Eneva já havia obtido para certas áreas do campo de Azulão — paralisando o início da atividade de exploração que a companhia faria nessas áreas.

O argumento do MPF foi que as áreas se sobrepõem ao território indígena Gavião Real e que as licenças foram obtidas de forma irregular.

A decisão da Justiça também suspendeu a emissão de novas licenças para Azulão.

Para a Eneva, esse tipo de contratempo é quase uma rotina, um fato que escancara as dificuldades de se operar no País e compõem o infame custo Brasil.

“Isso acontece toda hora no Norte. De algum procurador, ONG ou ativista pedir para a Justiça cancelar licenciamentos ou paralisar projetos,” disse uma fonte próxima à companhia. “Mas os argumentos são sempre muito frágeis. É algo que a Eneva deve conseguir derrubar tranquilamente.”

Apesar de comum, esse tipo de questionamento escancara a falta de governança entre os órgãos públicos, criando situações em que um braço do Estado aprova uma licença e outro tenta cancelá-la. 

“Quando a ANP organiza blocos e faz um leilão, ela já faz todo o trabalho de verificação ambiental, e vê se tem indígenas na área. Quando o IPAAM concede uma licença, a mesma coisa. Mas mesmo assim, no Brasil sempre tem alguém que pode levantar o dedo e questionar.”

Para a operação da Eneva, o impacto da decisão é muito baixo — e a ação da companhia até subiu hoje apesar da notícia. 

A decisão da Justiça foi restrita a áreas específicas de Azulão que ainda estão na fase de exploração. O restante da operação segue normal, com a térmica a gás da região produzindo a todo vapor — e abastecendo, por exemplo, 60% da cidade de Roraima. 

Em outra frente, o Ministério Público pediu na segunda-feira o cancelamento do leilão de blocos de exploração de petróleo na Margem Equatorial, marcado para o dia 17 de julho, também apontando questões ambientais. 

O MPF disse que a decisão de “expandir a fronteira de exploração petrolífera no Brasil, especialmente na foz do Amazonas, representa um grave contrassenso aos esforços globais de descarbonização e aos compromissos climáticos do País.”

O pedido — assinado por nove procuradores do Pará — diz ainda que 47 blocos do leilão são re-ofertas de áreas não arrematadas no leilão de 2013-2014 e que, “mesmo após mais de dez anos, nenhum dos blocos então arrematados na bacia obteve licença de operação.”

O MPF pede que a ANP exclua esses 47 blocos, de um total de 63 na Margem Equatorial, ou então cancele o leilão. O MPF deu 72 horas para a ANP se manifestar sobre o pedido. 

Hoje, uma ONG do Pará, o Instituto Arayara, também entrou com um pacote de ações judiciais para suspender o leilão.

Para um executivo do setor de energia, os dois pedidos “prejudicam um leilão que ia trazer um benefício enorme para o Brasil.”

“O Brasil está caminhando para uma queda grande da produção do petróleo do pré-sal em 2030, e precisa repor urgentemente suas reservas. Esse leilão é fundamental para isso.”

O leilão também injetaria bilhões de reais no caixa do Tesouro.