Com menos de uma semana na cadeira, o novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, disse ao Valor Econômico que a próxima diretoria da estatal será toda ‘técnica’ e sinalizou outras medidas que fariam sentido, como a abertura de capital de alguns negócios da Petrobras.
Não dá pra saber se Bendine já tomara pé da real situação da empresa quando deu a entrevista — ainda mais porque ele foi escolhido às pressas, naquela curta janela de tempo entre a renúncia e a saída da diretoria liderada por Graça Foster.
Mas apesar de acenar com medidas ‘pró-mercado’, Bendine também deixou transparecer que, mesmo nesse estágio de crise aguda em que se encontra a Petrobras, a empresa ainda acha que pode manter vacas sagradas.
Por exemplo, Bendine disse que um aumento de capital na Petrobras estava “descartado”. Disse que vender blocos do pré-sal e mesmo do pós-sal era algo fora de cogitação porque o aumento da exploração é o coração da empresa. Ao falar sobre isto, perguntou ao repórter: “Vou entregar o ouro?”
O problema, para os acionistas da estatal, é que nada na Petrobras deveria estar fora de cogitação.
Em momentos como o atual, em que a própria viabilidade financeira da empresa está em jogo, o CEO deveria dizer que todas as alternativas estão sobre a mesa. Não se sabe exatamente qual orgulho a Petrobras quer manter depois que seu principal acionista deixou (ou incentivou) que ela fosse, por um lado, assaltada por diretores nomeados por partidos políticos.
O tom de “está tudo sob controle” de Bendine é perfeito para ouvidos políticos, mas cacofonia para os investidores.
Como Batman e Robin tentando salvar uma Gotham City sabotada de dentro para fora — e não de fora para dentro, como querem alguns ‘intelectuais’ — Bendine e o CFO Ivan Monteiro correm contra o relógio e a taxa de câmbio.
A questão aqui é se Gotham tem salvação, ou se Bendine está só enxugando gelo. (Se ela merece ser salva — e para quem — é outra questão.)
A estrutura de capital da Petrobras não resistirá por muito tempo ao dólar, agora no nível mais caro da última década.
A empresa tem um descasamento de moedas perfeito: 65% de seu faturamento são em reais, mas 55% de seu custo são em dólar. Do lado do passivo, 75% dos compromissos são em dólar ou euros. Quando o dólar foi de 2,45 (no fim de setembro, data do último balanço) para o patamar atual de 2,80, a Petrobras ganhou mais 24 bilhões de reais de dívida líquida, trazendo o montante para 293 bilhões de reais. Com isso, o endividamento da empresa (assumindo-se uma geração de caixa constante e desconsiderando-se eventuais hedges) deve ter ido de 4,6 vezes seu EBITDA para 5,1 vezes.
Com um passivo que tem uma dinâmica própria — e um balanço deixado à porta do orfanato, sonhando com alguém que o adote — era apenas uma questão de tempo a Petrobras perder seu ‘grau de investimento’, como aconteceu ontem à noite.
O dólar nos níveis atuais e a tendência de mais desvalorização do real no médio prazo significam que não há soluções fáceis para a empresa.
Seja atacando o problema pelo lado da dívida, seja pela geração de caixa, todas as soluções possíveis criariam outros problemas.
1) A dívida da Petrobras no mercado internacional conta com uma garantia implícita do Tesouro, isto é, o mercado assume que o Governo brasileiro não deixaria a empresa quebrar, e por isso empresta dinheiro à Petrobras a taxas menores que a própria República — pelo menos, até ontem. Para garantir que a Petrobras continue tendo acesso a crédito pagando juros de empresa séria, o Tesouro poderia garantir explicitamente a dívida da empresa. Mas isto aumentaria automaticamente a dívida do setor público e colocaria o próprio ‘rating’ do Brasil mais perto de um downgrade.
2) Para gerar mais caixa, a Petrobras poderia aumentar o preço da gasolina, apesar do preço atual já ser mais caro que o do mercado internacional. Mas haveria espaço político para pedir ao consumidor que ajudasse uma empresa que o Governo deixou saquear? E o que aconteceria com a inflação?
3) O Governo poderia converter a dívida que a Petrobras tem com o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa em ações, o que desalavancaria a Petrobras e aumentaria a participação do Estado na empresa. No final de setembro, estes três bancos tinham empréstimos de 64,5 bilhões de reais com a estatal. Esta conversão de dívida em equity abriria espaço para a Petrobras tomar novas dívidas junto ao mercado, mas diluiria até a alma os já depauperados acionistas minoritários da empresa. (Além disso, o preço da ação nesta capitalização, assim como o dos barris no aumento de capital de 2010, seria decidido por Brasilia, donde se conclui que.. Oremos.)
Nas próximas semanas, Bendine e Monteiro vão disputar uma corrida de 100 metros com a taxa de câmbio. Se o dólar ganhar a parada, o Tesouro terá que patrocinar um aumento de capital igualzinho aos que o Banco do Brasil teve que fazer, inúmeras vezes, ao longo de sua história — a sina das estatais onde sobra aparelhamento e falta governança. Os crédulos já podem preparar seu FGTS.