A Petrobras admitiu, nas notas explicativas do balanço não auditado publicado ontem, que carrega ativos em seu balanço avaliados acima de seu valor justo, no valor de 88,6 bilhões de reais, o equivalente a 14,8% de seu ativo total imobilizado (o valor de suas plantas e equipamentos) e 47% do total de ativos nos quais a Petrobras fez uma varredura.
Ajudada por consultores externos, a Petrobras botou uma lupa em ativos que totalizam 188,4 bilhões de reais — ativos que lhe foram fornecidos por empresas citadas na Operação Lava Jato.
O mistério começa a ser desvendado na página 11 das Demonstrações Contábeis Não Revisadas – Terceiro Trimestre de 2014, publicado no site de RI da companhia na noite de ontem.
Ali, numa seção chamada “Discussões sobre ajuste do ativo imobilizado”, a Petrobras discute “os aspectos relacionados à necessidade de correção dos valores de determinados ativos imobilizados, a impraticabilidade de quantificar o valor exato a ser corrigido e a avaliação de duas abordagens alternativas consideradas pela Companhia em substituição à mensuração impraticável destes valores.”
A primeira destas abordagens seria a “aplicação do percentual médio de 3% de pagamentos indevidos, apontado no depoimento do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto da Costa à Justiça Federal em 08 de outubro de 2014.” E afirma que “o efeito potencial desta abordagem seria de uma perda estimada de 4.06 bilhões de reais” — ou seja, só o valor das propinas. “Essa abordagem não foi adotada porque os depoimentos não proporcionam, até o momento, detalhes suficientes em relação a pagamentos específicos que sustentem um lançamento nos livros e registros da Companhia,” diz a estatal no documento.
A segunda abordagem discutida é a “avaliação contratada pela Petrobras para calcular o valor justo de determinados ativos.”
Nesta abordagem, “a Companhia procedeu a avaliação econômica de determinados ativos pelo “Valor Justo”, de acordo com o CPC 46 parágrafo 9, recorrendo a consultoria externa. Para tal foram contratadas duas firmas globais reconhecidas internacionalmente como avaliadores independentes.”
A Petrobras diz então que analisou os contratos de fornecimento entre ela e as empresas citadas na Lava Jato.
Esses ativos selecionados totalizavam 188,4 bilhões de reais do imobilizado da companhia em 30 de setembro de 2014 e correspondem a 52 empreendimentos em construção ou em operação, “praticamente 1/3 do Ativo Imobilizado total do Sistema Petrobras (597,4 bilhões de reais) nesta data.”
Foram avaliados 21 ativos no segmento Abastecimento, 11 no segmento de Gás e Energia, 19 no segmento de Exploração e Produção e 1 na área corporativa.
“Como resultado da avaliação, do total de 52 ativos avaliados, 31 apresentaram valor justo inferior ao valor contábil, no montante total de 88,6 bilhões de reais e corresponde (sic) a 14,8% do Ativo Total Imobilizado em 30 de setembro de 2014 e 47% dos ativos sob avaliação,” diz a empresa na página 14 do documento.
“Os demais 21 ativos tiveram seu valor justo superior ao imobilizado, no montante de 27,2 bilhões de reais, que correspondem a 4,5% do Ativo Total Imobilizado em 30 de setembro de 2014 e 14,4% dos ativos sob avaliação.”
Como as regras contábeis não permitem que se reavalie um ativo “para cima”, a Petrobras está admitindo que, de fato, há 88,6 bilhões de reais em ativos em seu balanço que não deveriam estar lá.
Por que, então, a Petrobras não fez logo o writeoff (a admissão contábil) destas perdas?
A empresa sugere, nas notas explicativas, que o trabalho ainda não terminou.
“Os resultados dessa avaliação do Valor Justo de 52 ativos serão detalhadamente analisados … particularmente para os 31 que apresentaram valor justo inferior ao valor contábil. Eventuais procedimentos a serem adotados para as demonstrações contábeis revisadas pelos auditores independentes, tanto no que se refere ao lançamento de valores contábeis como às informações a serem prestadas nas notas explicativas do balanço auditado, serão aprofundados de forma a cumprir com as exigências dos órgãos reguladores (CVM e SEC).”