VITÓRIA — Quando assumiu o Governo do Espírito Santo em janeiro de 2015, Paulo Hartung teve que renegociar o orçamento daquele ano com o Legislativo, que o aprovara meses antes. O novo orçamento cortou R$ 1,3 bilhão da receita que estava superestimada.

Não só a Assembleia aprovou a alteração, como o Ministério Público, a Justiça estadual e o Tribunal de Contas também aceitaram reduzir seus orçamentos.

10246 6a99c143 a99a 034d 03b8 4d639bb5b8c9No fim daquele ano, a receita do Estado bateu exatamente com a receita prevista, e Hartung nunca atrasou pagamentos a servidores ou fornecedores. 

Em seguida, o Governador enfrentou o que alguns de seus assessores chamam de ‘as sete pragas do Egito’: a queda no preço do petróleo, o desastre ambiental que levou à paralisação da Samarco, que movimenta 5% do PIB capixaba; a maior seca da história do Estado; uma greve na Polícia Militar, e, para completar, a descoberta de que o Governador estava com um câncer (do qual ele já se curou).

Logo no início do mandato, o governador conseguiu aprovar a ‘PEC da Impessoalidade’, removendo logomarcas das propagandas do Estado e acabando com a foto oficial do governador nas repartições públicas.

Hartung é um homem público exemplar numa era de descrédito profundo com a classe política; uma voz de ponderação num ambiente marcado pelo entrincheiramento e tribalização; e um gestor com todas as contas em dia — numa época em que a maioria dos estados está quebrada.  

Por tudo isso, o Brazil Journal procurou o governador para falar sobre a eleição e o futuro do País.



O senhor vê espaço para um acordo que leve a uma candidatura única de centro nos próximos dias, ou o país está condenado a um segundo turno entre dois candidatos cujo maior mérito é ser o anti-outro? 

Espaço nós temos, porque as eleições no mundo inteiro vem sendo decididas em cima da hora. Qual o problema que eu vejo? Quem vai dar o primeiro passo. E todos também acham que a convergência deve ser em torno do seu nome. O fato é que nós temos eleições polarizadas entre os extremos, mas se a gente somar os extremos não chega a 60%. Ou seja, esse campo que eu chamo de reformista, que é onde eu me encontro, estão uns 40% do eleitorado brasileiro. Se este campo sair da fragmentação em que se encontra – uma fragmentação brutal, com cinco candidaturas – e conseguir alguma unidade, ele está disputando o segundo turno, o que seria ideal até para qualificar o debate, que está muito raso. 

Se os candidatos não fizerem isso, é possível que o eleitor faça por eles. Talvez esteja faltando um curto-circuito, uma fagulha que possa provocar isso. Seguramente esse curto-circuito não será uma facada nem tiro, e sim uma percepção da população de que não é com mais populismo e com mais demagogia que vamos enfrentar este momento difícil que o País está vivendo. 

O Brasil está totalmente quebrado, com suas contas desorganizadas. Está perdendo espaço num mundo integrado que – sim, tem problemas – mas também tem enormes oportunidades, e nós estamos perdendo essa janela. Se o eleitor perceber isso, pode ser a fagulha que está faltando. 

Em quem o senhor vai votar?

Eu já decidi. Eu vou votar num candidato que flerte com essa agenda reformista, na qual eu acredito, e que esteja, ali nos últimos três ou quatro dias, em condições de disputar o segundo turno. Eu acho que não está na hora da gente ficar com grupinho, facção, partidarismo. Está na hora da gente tentar dar rumo ao País, porque o povo brasileiro não merece viver esse sofrimento que está vivendo.

Um acordo entre os candidatos nesta reta final seria um fato histórico e, em última análise, daria o status de ‘estadistas’ aos envolvidos. É muito difícil para um político colocar o País acima da sua ambição pessoal?

Acho que não. O problema é que o sistema político do Brasil fez água. Está literalmente destruído. Um partido é uma parte do pensamento da sociedade, mas o que está aí não tem nada a ver com a busca do pensamento da sociedade, é a busca ao tesouro do fundo partidário e do tempo de televisão para fazer negociação. Os partidos estão no vinagre. A nossa estrutura eleitoral já era ultrapassada desde a Constituição de 1988. 

Falta o sentido do interesse público a esses agentes? Eu não diria isso. Talvez se um dos candidatos tomasse a atitude de desistir da candidatura, poderia ser um dominó. Vários seguiriam o mesmo caminho e eu acho que eles ganhariam muito respeito da sociedade se assim praticassem. Não é falta de espírito público, o que está faltando é o primeiro passo, a primeira atitude a ser tomada nesse processo eleitoral, porque algumas candidaturas não conseguiram decolar. Então, se eles dessem esse passo seria importante. 

O senhor fez parte de um grupo que defendeu a entrada de ‘outsiders’ na disputa eleitoral deste ano. Conversou com Luciano Huck, Joaquim Barbosa, sobre isso. Qual era sua visão naquele momento? 

Eu conversei com muita gente, com o Luciano, que é uma agradável surpresa. Eu não conhecia o Luciano. É uma pessoa sensível, preparada, com uma boa reflexão de Brasil. O ministro Joaquim já conhecia e admirava há muito anos. É uma relação mais antiga. Conversei muito com o Bernardinho, outra figura que trabalha o conceito de liderança. Citei três nomes, mas podia citar 30. Eles tiveram muito entusiasmo para entrar na vida pública, foram para perto, conhecer essa bagunça da estrutura política e partidária do País e acabaram recuando. E tem razões de sobra para recuar, porque o sistema que está aí é avesso à inovação, ele bloqueia a inovação. É um muro de contenção para não deixar o processo de alternância de lideranças ser processado no nosso país. 
 
Na minha visão, esta era uma eleição boa para um outsider disputar. Um outsider que tenha uma visão da economia, que tenha uma boa sensibilidade social… Nosso país é muito desigual, não dá para você ter uma visão apenas da economia, você tem que ter uma visão de como você cria e estrutura o reino da oportunidade para todos. Eu acho que era um momento interessante para um outsider porque quebraria o monopólio desses extremos. 

Desde o início eu achava que viriam os extremos. Só os extremos conseguem falar a uma nação desesperançosa. No mundo inteiro foi assim. Na hora que colapsa, são os extremos que conseguem dialogar com a sociedade colapsada – e a sociedade brasileira está literalmente colapsada. E eu achava que entrando ali uma pessoa fora do jogo da política não viria com esse desgaste das estruturas políticas e teria a capacidade de falar e ser ouvido.


Se os candidatos de centro não se unirem ou nenhum deles passar para o segundo turno, ainda assim o centro político vai ter que conversar com os dois extremos que passarem. O senhor acha que essa conversa tem que ser ao redor de quê? 

Eu acho que o que deve presidir a nossa ação no primeiro ou no segundo turno, der o que der – e eu estou torcendo para que algum candidato com a agenda correta vá para o segundo turno – é programa. Toda vez que as forças políticas – até as forças razoáveis do nosso país – flertaram com esse negócio de cargo, de ocupação em governo, fizeram bobagem. Agora, recentemente, fizeram mais uma. Não é isso que tem que estar em disputa. 

O que tem que estar em disputa é o programa que nós vamos implementar. Como a gente tira esse país da crise fiscal, como reorganiza a Previdência, quando a gente sabe que estamos vivendo mais e não pode ter um país com idade mínima? Como a gente tira os privilégios da área previdenciária? Vamos ser o país dos privilégios e dos privilegiados a vida inteira? Temos que quebrar isso. Como faz? Como é que a gente conserta as contas públicas? Como é que a gente dá competitividade à nossa economia frente a um mundo que tem a economia globalizada? Como a gente integra a economia brasileira nas grandes cadeias internacionais de produção, de consumo e assim por diante? Esse é o nosso desafio. Eu estou focado nisso. Se a gente tomar o caminho certo, a gente dá jeito no país. Se a gente continuar flertando com o caminho fácil, que é o caminho da demagogia, do populismo, vamos continuar vendo nosso país perdendo espaço no mundo e nossa população vivendo cada vez pior. 

O senhor disse que vai votar no candidato reformista que estiver mais bem colocado às vésperas da eleição. Hoje, no debate político, mesmo as pessoas que votam em candidatos reformistas tem muitas reservas quanto aos outros candidatos. O senhor diria que este é o momento de focar no que é comum, em vez de focar nas diferenças?

Acho que sim, até porque essas diferenças são minúsculas quando comparadas com as posições que estão no extremo da política brasileira e liderando as pesquisas. Aí é meu sentido prático – e eu sou uma pessoa muito prática. Eu acho que a gente precisa ter uma noção do quadro que nós estamos vivendo e do perigo que nós temos, que é um perigo objetivo. Não é criar pânico nas pessoas. 

O país nesses últimos anos fez tudo errado. Queimou o que tinha, queimou o que não tinha. Se o País não acerta o passo, ele não suporta mais quatro anos de aventura, de inexperiência administrativa, de testar coisas que já deram errado no mundo inteiro e repete aqui no Brasil de novo. Não tem espaço para uma ‘nova matriz econômica’. Não adianta ir para o governo com a cabeça de que governo pode tudo, faz e acontece. Não é isso. Nós sabemos que não é isso. Precisamos sair do caminho fácil da demagogia e seguir o caminho certo das reformas que precisamos enfrentar. 

Vai ter sacrifício. Tem que falar abertamente para a população. A vida é assim. Você planta, você cuida e daqui a pouco está colhendo. Neste mandato, estou colhendo resultados na educação. As pessoas falavam: “educação, fazendo tudo certo, em 10 anos você começa a colher resultado”. Não é verdade. Fizemos o certo, buscamos as boas experiências educacionais no Brasil: de Pernambuco, de Sobral, implantamos o ‘Pacto pela Aprendizagem’ aqui para cuidar do ensino infantil e fundamental, pegamos uma experiência do Instituto Unibanco, que também é uma intervenção importante na escola de ensino médio, de tempo parcial… e agora colhemos aí a melhor nota do Ideb… E o que é mais importante que a nota: uma evolução positiva dentro de toda a rede capixaba. 

Você tem que plantar, cuidar para poder colher. 

O que o senhor diria para as pessoas que estão desanimadas com a perspectiva de um segundo turno Bolsonaro X Haddad?

Escolha um candidato com a boa agenda, com bons propósitos, vota nesse candidato, e arranja mais uns 10 votos, para ver se tem algum bom candidato lá no segundo turno criando opção [risos]. Eu estou brincando aqui, mas vou falar sério: eu acredito na política. As pessoas falam assim: “com esse Congresso não se governa o País”. Não é verdade! Governa. Tem que ir lá. Esse é o Congresso que o povo brasileiro colocou? Quem vai interagir com o Congresso tem que ir lá conversar, dialogar, explicar porque nós precisamos mudar uma lei.  Por que essa lei do jeito que está escrita está prejudicando a competitividade das empresas brasileiras. 

Eu acredito na política como ferramenta civilizatória. Eu acho que nós humanos quando descobrimos a política ficamos mais humanos. Esse é o sentido. A política – estou falando da política com P maiúsculo – pega uma situação de conflito paralisante e transforma aquilo ali numa ação renovadora. Esse é o papel da política. Quando eu falo que a política brasileira precisa ser transformada, estou falando das instituições que o homem criou e precisam ser atualizadas. Mas a política como ferramenta tem uma potência enorme. 

O que vier aí, no primeiro e no segundo, dá para tratar com a política. Com o diálogo, procurando caminho e assim por diante. A minha palavra não é de desespero, não. Eu estou operando nessa realidade. É uma realidade adversa? É claro que é. O solo que nós estamos pisando nessa eleição é movediço, fruto de tudo o que o país viveu, somado ao que a democracia está vivendo de problemas. 

Quem está botando esses dois candidatos na frente? Qual o sentimento? 

Tem de tudo. Tem um sentimento de decepção, misturado com raiva de tudo que vem acontecendo no Brasil. O sentimento da população é de chutar o pau da barraca, não tendo a paciência de pensar na cabeça de quem vai cair a danada dessa barraca. 

Eu não vou tirar a razão da população. Passar por tudo isso aí que nós passamos e continuamos passando, assistir o que a gente assiste na televisão toda noite – desvios, maus feitos – a reação da população é natural. Agora, nós, que temos um papel de liderança, temos que saber direcionar essa energia para um caminho que seja positivo para o Brasil.

Momentos como esse produziram, na caminhada civilizatória, resultados muito ruins. Eu sou um leitor inveterado de história e sei que ambientes péssimos como esse muitas vezes produziram caminhos políticos que são verdadeiros descaminhos. A gente precisa estar atento, dialogando muito, conversando muito. E volto a dizer: acho que a gente tem que fazer um esforço final de colocar o nosso pensamento no segundo turno ou dar um tamanho a ele para que, em qualquer circunstância, ele possa sentar à mesa para dialogar o futuro do país. E dialogar não em termos de pessoas e funções, mas dialogar em termos de ideias. É um diálogo programático para o País, coisa que nós ainda não estamos acostumados a fazer.
 
O que motivou a sua decisão de não buscar a reeleição este ano?

Primeiro, uma carreira muito longa. Foram oito eleições que eu disputei:  já fui deputado estadual, federal, senador, prefeito da capital, três vezes governador, três vezes eleito em primeiro turno, sempre com muito apoio e carinho da população. Eu confesso aqui, pela primeira vez, que eu já vinha pensando que eu tinha que parar em algum momento. Essa coisa tem que saber a hora de entrar e a hora de parar. Muito mais bonito que o milésimo gol do Pelé foi ele saber a hora de parar. Precisa ficar um gostinho de ‘quero mais’, de saudade. Não pode esperar que você chegue a um final ruim, melancólico; sempre tentei desviar disso, vou ser muito franco. 

Evidente que o ambiente da política também não é o melhor, nem no mundo, muito menos no Brasil, que eu acho que é o pior ambiente que eu acompanho mundo afora: soma a crise da democracia representativa, o sombreamento que está vivendo a política, com os problemas de recessão econômica, as famílias empobrecendo e a crise ética. 

Eu sempre pensei que tinha uma hora para parar e soma-se a isso essa crise da política. Eu tomo muito cuidado para falar disso porque eu fico preocupado em não passar uma mensagem errada para os jovens, que eu quero que entrem na política. Eu sou um formador de quadros, em todo lugar que eu fui eu tive a preocupação de formar quadros. Mas isso pesou também na minha decisão. 

Mas não vou deixar de fazer política. Aqui eu dou um recado bom para a juventude: eu vou morrer militando na política. Eu vou morrer escrevendo artigos, dando palestras, defendendo boas teses, boas ideias. Eu vou lutar a vida inteira para melhorar nosso País, para que ele deixe de ser o eterno país do futuro que não se realiza. Se a gente realizar o potencial do Brasil, nós vamos devolver a esperança aos nossos jovens, que é uma coisa que me preocupa muito. A juventude brasileira está descrente de tudo, e com razão. Nós precisamos injetar esperança nos jovens.