Tive a sorte de ter convivido bastante com ele em Princeton e, especialmente, no Grupo dos Trinta, que ele dirigiu por muitos anos. Meu primeiro contato com ele foi de longe. Fui estagiário do Federal Reserve Board, o banco central americano, no verão do norte de 1984. Eu estava na reta final para concluir meu doutorado e ele, no segundo mandato como chairman do Fed. Naquela época ele fumava charutos o tempo todo e às vezes era visto atravessando um túnel que liga os dois prédios do Fed em Washington. Com seus dois metros de altura, ele era carinhosamente conhecido como Tall Paul. Mal cabia no túnel.
Não tive contato pessoal com ele naquela época, mas estive por perto, ajudando a equipe em assuntos brasileiros (traduzindo, nada mais). Naquela altura dos acontecimentos, ele tinha um papel importante na gestão da crise da dívida externa dos países conhecidos à época como menos desenvolvidos (ainda são). Figura imponente, conhecido pela firme aderência a princípios claros, era também bem-humorado e amigo dos amigos. Em seus oito anos como presidente do BC americano conviveu com nove presidentes do Banco Central do Brasil, alguns por apenas uns poucos dias, alguns que ele admirava e com quem fez amizade, como Langoni e Pastore.
Do lado profissional, alguns episódios foram marcantes. Como alto funcionário do Tesouro americano viveu o fim do sistema de Bretton Woods, com sua paridade do dólar com o ouro. A suspensão da paridade ocorreu durante sua gestão (agosto de 1971). Preparando esta nota, li que este foi considerado por ele mesmo o mais importante evento de sua carreira. Eu sabia do peso que ele dava ao fim de Bretton Woods, pois ele sempre defendeu a volta de um sistema monetário internacional inspirado no que se tinha. Em sua visão, o não-sistema de taxas de câmbio flutuantes era um tanto caótico e levava a políticas pouco cooperativas.
Quando cheguei ao Banco Central no início de 1999, com a ideia de implantar aqui um sistema de metas para inflação, perguntei a Volcker sua opinião. Ele respendeu: “I do not like inflation, I do not like deflation… I guess I like ‘flation’!”
Volcker sempre olhou com ceticismo a liberalização dos mercados financeiros, em particular dos bancos. Odiava derivativos. Por muitos anos, divertia-se em dizer que as máquinas de caixa eletrônico foram a inovação mais importante dos bancos. Para ele, bancos são subsidiados pela existência de um emprestador de última instância e de um seguro para depósitos. Em função disso, via como necessidade absoluta a limitação dos riscos que os bancos correm. Não me lembro bem, mas imagino que ele tenha sido contrário à liberalização dos bancos de investimento, que no período que antecedeu à grande crise de 2008-9 se alavancaram imensamente.