Até agora, tem sido como enxugar gelo.
No ano passado, a BRF fez um follow-on que levantou R$ 5,4 bilhões com o objetivo de equacionar sua dívida.
Mas de lá para cá os resultados da companhia foram um show de horrores: a empresa queimou caixa praticamente todos os trimestres e o EBITDA piorou, realavancando o balanço.
Vergando sob o peso de uma Selic de quase 14%, a dona das marcas Sadia e Perdigão anunciou hoje cedo que precisará de uma nova injeção de capital.
A Marfrig e o Salic — o fundo soberano da Arábia Saudita — se comprometeram a injetar mais R$ 4,5 bilhões na companhia.
A soma dos dois aportes é maior que o valor de mercado da BRF hoje: R$ 8,6 bilhões.
A alavancagem, que fechou o primeiro tri em cerca de 4x o EBITDA (considerando os arrendamentos), deve cair para perto de 2x com o novo aporte e a venda do negócio de pet food, que está em curso e pode levantar outros R$ 2 bi.
O aumento de capital – de 500 milhões de novas ações – será dividido meio a meio entre os dois investidores e tornará o Salic o maior acionista da BRF depois da Marfrig, com 16% do capital. Já a Marfrig deve aumentar sua participação de 33% para cerca de 39%.
Os dois investidores se comprometeram a subscrever as ações a um preço máximo de R$ 9, um prêmio de 24% em relação ao fechamento de ontem.
O mercado bateu palmas: o papel sobe 10% com a notícia, negociado a R$ 8 no início da tarde.
A oferta vem num momento em que a BRF ainda está sofrendo operacionalmente, com as margens da operação brasileira ainda em nível sub-ótimo e dificuldade em repassar preços num cenário de competição acirrada e aumento da oferta.
“O operacional ainda não está acontecendo,” disse um gestor que acompanha o setor. “Mas olhando o copo meio cheio, o preço das commodities tem caído nos últimos cinco meses, o que é um vento a favor, e o [CEO] Miguel Gularte já está há alguns meses e deve começar a tomar medidas para mostrar resultado.”
Para esse gestor, a queda da alavancagem somada à queda dos juros que está sendo precificada pelo mercado também devem ajudar a geração de caixa da companhia.
Outro investidor com posição na empresa disse ver o aumento de capital como “a melhor opção possível no cenário atual.”
“Dá uma arrumada no balanço e é um sócio muito bom, estratégico, e com bolso fundo,” disse ele. “O Oriente Médio tem uma relevância grande para a BRF e para o mercado de frango como um todo. Com o Salic, eles ficam mais protegidos lá e podem abrir novas portas.”
O mercado já especula se o Salic vai parar nos 16% ou aumentar sua participação na BRF ao longo do tempo — como fez na Minerva Foods.
O fundo soberano saudita – que tem um viés de investimento em agricultura – investiu pela primeira vez na Minerva em 2015, quando comprou uma participação de 20% também num aumento de capital. De lá pra cá, o Salic já aumentou essa fatia para mais de 30%.
Um investidor nota que a entrada do Salic na BRF pode se tornar um impeditivo para uma eventual fusão da BRF com a Marfrig, que vem sendo aventada pelo mercado desde que a Marfrig começou a investir na companhia.
No acordo de acionistas do Salic com a VDQ — a holding da família Vilela de Queiroz –, firmado em 2015 e modificado em 2019, há uma cláusula que proíbe o fundo soberano de ter participação acionária em outra empresa de bovinos além da Minerva. (Se a BRF casasse com a Marfrig, ela se tornaria uma empresa de bovinos, e o Salic estaria violando essa cláusula.)
Para que o aumento de capital vá adiante, os acionistas da BRF terão que aprovar a extinção do poison pill — que obriga qualquer investidor que ultrapassar 33% do capital a fazer uma oferta por toda a companhia.
Para a Marfrig, os recursos da injeção de capital devem vir de um aumento de capital próprio: a companhia anunciou hoje que pretende vender 360 milhões de novas ações a R$ 6,25 cada — o que daria exatamente os R$ 2,25 bilhões que ela vai investir na BRF.
O controlador da Marfrig, Marcos Molina, já se comprometeu a comprar 240 milhões de papéis, ou R$ 1,5 bilhão.
Em outras palavras, se os acionistas minoritários não acompanharem o aumento de capital, a Marfrig será obrigada a tomar R$ 725 milhões em dívida, aumentando sua alavancagem.
“É uma empresa que também está numa situação preocupante, com a alavancagem próxima a 4x, e que está alocando capital num negócio arriscado e que não está gerando caixa.”
Com o preço dos insumos caindo nos últimos meses, a BRF poderia tentar pedalar a alavancagem, acreditando que o pior do ciclo já passou. Mas “o Molina deve estar assustado com o custo da dívida no Brasil, e o namoro com a Salic já está rolando há uns seis meses, então é difícil deixar a noiva no altar depois disso tudo,” disse uma pessoa com interlocução com a Marfrig.
E como neste cenário o importante é não sair da pista, “vai que acontece uma gripe aviária no Brasil, vai que o mercado piora de novo… Óbvio que seria melhor ter feito em outro momento, num preço melhor, mas eu entendo o balanço de risco para trazer um sócio como esse nesse momento.”
A BRF vale R$ 8,6 bilhões na Bolsa. A Marfrig, R$ 4,3 bi.
O Citi está assessorando o Salic.
O JP Morgan trabalha com a Marfrig.