Depois de mais de uma década de discussões, a criação de uma nova Bolsa no Brasil deve finalmente sair do papel.
A ATG, a empresa que tinha um projeto para a nova Bolsa e foi comprada pelo Mubadala Capital no ano passado, já entrou com o processo na CVM para a abertura da Bolsa e no Banco Central para a abertura de sua clearing.
A expectativa é que a operação comece a funcionar até o final do ano que vem.
Claudio Pracownik, o CEO da nova Bolsa (cujo nome ainda não definido), disse ao Brazil Journal que a empresa deve estar tecnologicamente pronta para operar já no final deste ano, mas que depois disso o BC e a CVM terão que testar os sistemas, o que deve levar seis meses.
Quando esses testes forem concluídos, a ATG terá outros seis meses para colocar a Bolsa em funcionamento.
“Temos capital financeiro, tecnológico e humano – então a Bolsa vai acontecer. É só uma questão de tempo e nossa estimativa é que aconteça nesse prazo,” disse ele.
Quando a ATG tentou lançar a Bolsa pela primeira vez, enfrentou obstáculos então intransponíveis. O primeiro deles foi não ter acesso à central depositária da B3, o que inviabilizava o negócio. Mas em 2018, o CADE obrigou a B3 a prestar serviços de depositária para qualquer Bolsa que surgisse como parte de um acordo para permitir a compra da Cetip.
“Quando a concorrência começou a bater na porta da B3, eles fizeram uma inversão da tabela de fees. Antes, 80% do custo da operação era na Bolsa e 20% na clearing. Hoje, é quase 90% clearing e 10% Bolsa,” disse Cláudio. “Foi uma ação defensiva, que obrigava qualquer novo player a abrir uma clearing, que é algo extremamente caro.”
A solução encontrada pela ATG foi trazer um investidor com bolso fundo – o Mubadala – que está investindo os recursos necessários para a ATG criar sua própria clearing.
A empresa não abre o valor do investimento, mas Cláudio disse que a exigência de capital por parte do BC (que varia com o volume estimado de operações) é muito alta, dado os riscos sistêmicos.
Outra mudança recente que viabilizou a criação da nova Bolsa foi a resolução 175 da CVM, editada em 2022 e que prevê todas as condições, documentos e o cronograma necessários para a criação de uma nova Bolsa no País.
“A nova Bolsa só se tornou factível porque foi assinado o contrato de depositária com a B3, porque teve esse novo arcabouço regulatório e porque a ATG conseguiu um investidor para bancar a construção da clearing,” disse o CEO.
Num primeiro momento, a ideia da ATG é lançar a Bolsa com quatro serviços: a negociação de ações no mercado à vista, a negociação de fundos imobiliários e índices e o aluguel de ações. A ideia é abrir as portas apenas com esses produtos para “acelerar o processo e já irmos trabalhando no nosso payback,” disse Cláudio.
O plano é incluir novos serviços conforme o volume for crescendo.
Segundo o CEO, o próximo passo mais óbvio seria entrar no mercado de derivativos. “É um mercado com muito giro, muito volume, e o custo da B3 é muito alto hoje,” disse Claudio, acrescentando que nesse mercado seria preciso criar os derivativos do zero, o que aumenta a complexidade mas traz oportunidades grandes.
Já a listagem é um serviço que Cláudio acredita não fazer sentido no curto prazo. “É um processo custoso e que requer muita mão de obra. Acho que vamos poder contribuir com isso no futuro, mas não é algo que vejo no curto prazo.”
Ele nota que ter a listagem das empresas traz uma vantagem inicial relevante, já que todas as compras iniciais acontecem na Bolsa onde a listagem é feita, o que acaba concentrando o volume de negócios lá por um período. “Mas nos EUA, por exemplo, com o tempo as negociações acabam dispersando para as outras Bolsas,” disse ele.
Claudio disse que o plano de negócios da nova Bolsa não é tirar market share do volume atual da B3. “Nosso plano é trazer mais volume para o Brasil e brigar em cima desse volume novo,” disse ele. “Quando o mercado estiver posto, aí sim vamos competir pelo share deles.”
Para ele, a criação da nova Bolsa deve contribuir para o aumento dos volumes negociados por três fatores.
“Conversamos com market makers e bancos globais, e todos falam que um país com só uma Bolsa tem uma limitação de envio de recursos, porque tem risco da Bolsa parar de operar e eles não conseguirem hedgear a operação,” disse ele.
Outro fator que deve ajudar, segundo ele, é a tecnologia da nova Bolsa, que ele diz será mais rápida e eficiente nas execuções das ordens.
Por fim, há produtos que só são possíveis com a existência de duas bolsas, como fazer a arbitragem de uma bolsa para a outra.
Para dar a largada, a ATG está em negociações com bancos globais e market makers para fechar acordos que vão garantir um envio de volume inicial para a nova Bolsa. Em troca, a companhia dará equity na Bolsa para essas companhias.
Claudio disse que já há mais de 10 NDAs assinados e espera anunciar os primeiros parceiros até o final deste ano.
Esses acordos são conhecidos como liquidity partner program (LPP), e podem envolver volume, spread e melhores preços.
“Cada parceiro vai contribuir com alguma coisa. Não precisamos de recursos hoje, mas precisamos de parceiros, por isso o Mubadala está disposto a diluir sua participação para ter essas empresas com a gente,” disse Cláudio.
Hoje o Mubadala tem cerca de 73% do ATG. O restante está nas mãos dos executivos e de dois fundos de pensão — o Postalis, dos Correios, e o Serpros, do Serviço Federal de Processamento de Dados, que já eram investidores antes do Mubadala entrar.
A nova Bolsa começou o ano com 40 funcionários e hoje já tem 105 pessoas trabalhando. Esse quadro ainda deve dobrar antes da Bolsa começar a operar.
Segundo Cláudio, o volume necessário para atingir o breakeven é muito baixo: menos de 4% do volume atual da B3.
A nova Bolsa será sediada no Rio de Janeiro, onde o prefeito Eduardo Paes está apostando no projeto como uma forma de retomar um mínimo de share do mercado financeiro nacional, perdido para São Paulo nas últimas décadas.
Esta semana, Paes sancionou uma lei de incentivo que derruba o ISS sobre os serviços de liquidação da clearing e da Bolsa de 5% para 2%.
Na manhã de hoje, o prefeito publicou um vídeo cômico, em que convida a Faria Lima a operar no Rio.
Sentado atrás de terminais imitando os da Bloomberg, Paes brinca que “o lifestyle da cidade já está mudando. Já tem uns patinetes elétricos por aí, cada vez mais gente com copo Stanley, e até uma turma com coletinho já estamos vendo – uns ‘puta cara legal’.”
“E sabe qual a melhor parte? Aqui o beach tennis é na praia de verdade.”