Nos últimos dois anos, a Cielo foi do céu dos oligopólios ao inferno dos incumbentes.
Hoje, a Cielo é uma ilha de rentabilidade decrescente cercada por um mar de tubarões famintos, e, como resultado dessa dinâmica, tem havido especulação sobre um M&A envolvendo Cielo e Stone.
Não está claro se as conversas entre as partes continuam, mas a ideia — à primeira vista improvável — geraria ganhos potenciais para todos os envolvidos.
Até agora, a maior parte das especulações do mercado envolve a compra pela Stone da participação que o Banco do Brasil tem na Cielo. O BB já sinalizou interesse em vender, mas a máquina estatal é lenta e o processo sequer parece ter começado de fato.
Mas a porta de entrada mais provável da Stone no capital da Cielo não é o BB, e sim o Bradesco — até porque o banco da Cidade de Deus teria direito de preferência numa eventual venda da fatia do BB para a Stone.
Uma fusão Cielo-Stone uniria a base de clientes da uma com o espírito de startup da outra, e permitiria à Stone oferecer seus serviços — como os softwares de gestão para PMEs — num canal de vendas poderoso.
Mais: ao trocar seu stake na Cielo por uma participação minoritária mas relevante na Stone, o Bradesco estaria desverticalizando sua participação no business de adquirência — onde o banco, além de emissor, também é acionista da bandeira Elo — e se livrando de embates (potenciais e reais) com o CADE.
O acordo de acionistas da Stone com o Bradesco teria que garantir acesso de longo prazo da companhia à rede de agências do banco, onde hoje os gerentes oferecem a maquininha da Cielo. E, segundo advogados ouvidos pelo Brazil Journal, para tranquilizar o CADE o acordo talvez tivesse que impor limites ao poder de voto do Bradesco, uma ideia que pode ser difícil de vender na Cidade de Deus.
Alguns dirão que o CADE não permitiria esse casamento, mas num mundo em que adquirência virou commodity e a tecnologia torna impossível prever o mercado daqui a um ano, os noivos teriam bons argumentos para começo de conversa.
Há, no entanto, outro ceticismo ainda mais relevante. Muitas fontes do setor duvidam que o negócio aconteça porque vêem o Bradesco como um gigante moroso, propenso a ‘empire building’ e sofrendo da arrogância natural aos incumbentes. “Os grandes bancos acham que um dia o fôlego desses caras acaba e as coisas voltam ao normal,” diz uma fonte do setor.
Essa visão pode estar ultrapassada. Se existe alguém hoje especialmente sensível à necessidade de repensar e reinventar seu negócio, este alguém são justamente os grandes bancos, que a cada dia levam chumbo de uma disrupção diferente, tecnológica, regulatória ou concorrencial.
Além do mais, a estratégia atual não está funcionando. Para reagir contra as Stones e PagSeguros da vida, tanto a Cielo quanto a Rede (a outra gigante do setor, que pertence ao Itaú) derrubaram seus preços sacrificando rentabilidade. As margens já despencaram, mas os bárbaros continuam no portão.
A lógica para uma transação existe. Falta só pactuar um preço que agrade a todo mundo.
André Street — o controlador da Stone — hoje tem uma moeda relativamente cara, e o Bradesco, uma moeda desvalorizada.
A Cielo vale cerca de R$ 19 bilhões na B3; enquanto a Stone negocia a US$ 12 bilhões na Nasdaq (ou R$ 54 bi, depois da disparada do câmbio).
O CEO do Bradesco, Octavio de Lazari, pode (e vai) cobrar caro. Já Street vai ‘chorar’, mas sempre pode parcelar no cartão.