A liquidez sem precedentes proporcionada pelo Fed, os substanciais estímulos fiscais já aprovados nos EUA e o plano para mais US$ 1,9 trilhão do Governo Biden praticamente garantem que a inflação americana será mais alta nos próximos meses.

Contudo, isso será um fenômeno conjuntural e não uma mudança estrutural. Os investidores devem ignorar os ruídos, seguir o Fed e olhar para além disso. Os juros longos subirão também, e isso é ótimo.

Juros mais altos significam que a pandemia está sendo vencida, a economia está reabrindo, a confiança está aumentando e, como resultado, o custo do dinheiro está subindo. O que há de errado com isso? 

Imagine a alternativa: a covid vence as vacinas, os lockdowns continuam, a confiança se perde e temos deflação e juros negativos. Será que isso é melhor? Com certeza não.

Na nossa visão, a chave para o investidor nos próximos seis meses é simplesmente o seguinte: ignore o debate sobre inflação e juros longos americanos.

Como pano de fundo, há dois fatores que os investidores devem levar em consideração ao analisar o framework político e econômico dos EUA nos próximos meses e anos. O primeiro é que os EUA e o mundo estão entrando em um boom econômico não visto desde os anos 1970. Isso vai levar a um bear market nos títulos longos americanos, algo que não acontece há quatro décadas. Em outras palavras, praticamente ninguém no mercado hoje tem experiência no cenário em que estamos entrando.

Em segundo lugar, o sistema político americano está saindo de um regime que começou há 40 anos com Ronald Reagan e sua famosa frase: “as nove palavras mais assustadoras na língua inglesa são: ‘Sou do governo, e estou aqui para te ajudar’”. 

Essa mentalidade atingiu seu ápice na administração Trump: “a desconstrução do Estado administrativo”, que deixou os EUA vulneráveis à pandemia. 

A administração Biden toma posse em meio a demandas imensas: vacinas, empregos, clima, desigualdade, e a habilidade de atendê-las nunca foi tão barata. Além disso, os cidadãos clamam por ajuda: o plano de resgate tem 80% de apoio da população.

Tem-se então a oportunidade de colocar em prática as lições aprendidas na administração Obama (na qual praticamente todo o time econômico de Biden trabalhou) e de “go big and go fast”. 

Vencer a batalha contra a pandemia é uma boa estratégia tanto política como economicamente, podendo fazer os Democratas dobrar o tempo em que controlarão ambas as casas do Congresso (apenas 4 dos últimos 40 anos) caso tenham uma performance acima do normal nas eleições de 2022 e 2024.

Em meio a essas grandes mudanças, é importante notar que a inflação vai incomodar nos próximos meses, mas isso não significa que os EUA estão indo de um ambiente desinflacionário (diferente de deflação) para um inflacionário.

Sim, é praticamente certo que a inflação vai subir, principalmente devido ao fato de que a depressão econômica provocada pela covid levou a taxas negativas de inflação entre março e maio de 2020. À medida que esses números saiam da base de comparação anual, o índice ‘cheio’ da inflação vai subir de forma significativa, provocando também uma alta nos rendimentos dos títulos longos. Contudo, isso será transitório e deverá desaparecer até o outono.

Ciclos de alta nos mercados acionários normalmente terminam quando os trabalhadores ganham poder de barganha, levando o Fed a elevar os juros – e ambos estão bem longe de acontecer. 

Antes da pandemia, os EUA tiveram uma longa expansão econômica que terminou com o desemprego mais baixo da história e ainda assim não conseguiu elevar a inflação a níveis preocupantes. Com desemprego de aproximadamente 7%, estamos provavelmente a dois anos da inflação de salários (o que realmente importa para o Fed) se tornar um problema.

Podemos também contar com o aumento da participação da força de trabalho, uma vez que a melhora na economia vai encorajar os trabalhadores desempregados há muito tempo a voltar a procurar emprego. Finalmente, mudanças estruturais devem manter os salários sob controle. Nos últimos anos, os sindicatos perderam bastante poder e a chamada Uberização da força de trabalho dificultou muito sua organização. Ou seja, um grande hiato do produto e a cada vez maior digitalização da economia são razões para não esperar um aumento da inflação de forma sustentada.

No final do terceiro trimestre de 2020, as famílias americanas tinham  US$ 2,2 trilhões a mais em caixa do que no final de 2019, um número que provavelmente vai aumentar em função do plano fiscal de Biden. 

Com o controle sobre a pandemia e a reabertura das economias na primavera, é mais que esperado que as pessoas gastem a poupança adicional depois de tanto tempo de restrições. A demanda reprimida por viagens e lazer de forma geral vai levar a um aumento na inflação de serviços, a qual o Fed provavelmente verá como temporária, especialmente dado que o mercado de trabalho ainda não terá se recuperado completamente.

O que pode então fazer o Fed mudar o curso?  Se desequilíbrios entre oferta e demanda se tornarem a norma ou se uma inflação mais alta passar a ser incorporada nas expectativas.

O núcleo da inflação está agora em 1,4%, bem abaixo da meta de 2% do Fed. Não se preocupe caso o índice cheio aumente para 3-4% nos próximos meses. O Fed já mencionou uma “meta de inflação assimétrica”, basicamente nos dizendo que vai permitir que até mesmo o núcleo da inflação permaneça por algum tempo acima da meta. Num mundo atolado em dívidas, alguma inflação é parte da solução. Nesse sentido, é uma boa notícia que os US$ 17 trilhões em dívidas hoje com rendimento negativo tenham feito um topo duplo, e até os juros de 10 anos japoneses já ofereçam retornos positivos.

Inflação e juros mais altos são um sinal da recuperação econômica – uma excelente notícia. Aqui na TPW Advisory, estimamos um yield para os Treasuries de 10 entre 1,75% e 2% no final do ano. Um aumento gradual na estrutura das taxas de juros não deve causar danos à economia ou ao mercado acionário. Um aumento súbito seria preocupante, mas basta olhar a enorme posição vendida em títulos de 10 anos. Ou seja, os mercados futuros nos dizem que isso é improvável. É mais provável que o recente movimento dos mercados continue – progresso na vacinação, reabertura gradual, bolsas em alta e aumento gradual dos rendimentos dos títulos longos. 

É muito importante lembrar que juros mais altos são como criptonita para as grandes ações de tecnologia, facilitando assim a Grande Rotação para bolsas fora dos EUA, para ações cíclicas, value e small caps.

Keep calm and carry on.

Jay Pelosky é fundador e CEO da TPW Advisory e foi chefe de alocação global de recursos do Morgan Stanley.

Roberto Attuch Jr. é  fundador e CEO da OHMRESEARCH.