Um cínico diria que o Bridgewater — o maior hedge fund do mundo — quer vender sua posição de Brasil.
A gestora publicou ontem um relatório mega-ultra-bullish sobre o País, onde haveria uma grande oportunidade de investimento dada a distância entre os preços dos ativos e o riscos da economia.
“Depois de anos de condições fracas, o crescimento está acelerando e parece que o Brasil está preparado para uma recuperação forte a partir de níveis extremamente deprimidos”, ressaltou uma equipe de analistas sêniores da gestora, num relatório de seis páginas. “Esperamos que ao longo do próximo ano, o crescimento relativo ao potencial seja o maior do mundo.”
A Bridgewater reconhece o risco da reforma da Previdência não ser aprovada ou sair completamente desidratada do Congresso – mas minimiza a gravidade desse cenário.
“Enquanto um fracasso em passar as reformas pode ser um contratempo, essa é uma questão relativa à dívida em moeda local”, afirma a equipe da gestora. “Dado que os preços já embutem uma condição de extrema fraqueza e problemas da gestão do País, acreditamos que há espaço considerável para surpreender pelo lado positivo”.
O relatório tem três argumentos básicos — nenhum dos quais é uma verdade incontestável.
• A gestora diz que os preços dos ativos brasileiros estão deprimidos. Nos últimos dois anos, o juro real já caiu de 7% para 4%, e a Bolsa hoje negocia a 12 vezes lucro. É claro que há potencial de ganhos, mas ‘deprimido’ é uma hipérbole.
• Os analistas dizem que se a reforma da Previdência não for aprovada, não há problema. Isso seria “apenas um desbalanceamento de ativos e passivos em moeda local”. A Bridgewater parece ignorar que os chamados “meios de pagamento ampliados” — economês para toda a poupança financeira do País, ou seja, todo o dinheiro que os brasileiros tem no banco — são múltiplas vezes maiores que as reservas em moeda forte do País. Em outras palavras, se houver uma crise de confiança interna — derivada, por exemplo, da certeza de que o estado vai quebrar — a portinha por onde todos vão querer passar para dolarizar sua poupança é estreita.
• Os analistas dizem que o Brasil pode crescer muito dado que existe muita capacidade ociosa na economia. É verdade: num ano, o País pode crescer 3%, até 4%, dada a capacidade ociosa, mas uma vez que este hiato seja preenchido, o crescimento voltaria a níveis históricos ao redor de 2%. (Este tem sido o potencial de crescimento do Brasil: 1 ponto percentual ao ano dada a entrada de mão de obra na força de trabalho, um bônus demográfico que cada dia fica mais perto de acabar, e outro 1% vindo dos ganhos de produtividade, a média dos últimos 40 anos.)
• Finalmente, os analistas inexplicavelmente tentam separar nossa crise fiscal de uma potencial crise cambial, dizendo que, no Brasil, a primeira é “mais fácil de gerenciar” do que a última. No Brasil, uma coisa historicamente leva à outra, ou se torna a outra.
A visão da gestora sobre o Brasil tem o pano de fundo das assimetrias entre os valuations dos países emergentes e desenvolvidos, num momento em que o aperto monetário nos países mais ricos parece ter sido interrompido.
O Brasil seria o exemplo mais gritante desse descolamento, essencialmente porque não tem problema de balanço de pagamentos e porque ainda haveria espaço para a redução das taxas de juros, em um cenário de inflação e câmbio controladas.
Para a gestora de Ray Dalio, há espaço para um fechamento na curva de juros e apreciação da moeda. Pouca gente discorda – mas só se nosso derretimento fiscal for colocado minimamente sob controle com as reformas.
Para embasar sua visão cor de rosa mesmo no cenário que preocupa a maioria do mercado, os analistas dizem que em outros países com déficit fiscal e um balanço de pagamentos confortável, os resultados negativos – leia-se ‘defaults’ – são resultado de reservas mais baixas e respostas fiscais e monetárias ‘menos responsáveis’ que as esperadas do Brasil de hoje.
“Seria preciso um ‘mismanagement’ sustentado e prolongado para levar a uma deterioração nos fundamentos tipicamente associados a resultados negativos”, diz a gestora.
A realidade é que essa deterioração já aconteceu.
Hoje de manhã, o Secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, disse que o País terá dificuldade de pagar salários do funcionalismo público já em 2020 se o Congresso não aprovar a nova Previdência.
Qualquer tolerância com o cenário de não-reforma é desonestidade intelectual ou brincadeira de mau gosto.
Botaram alguma coisa na água da Bridgewater.
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