O assalto ao caminhão carregado de máquinas de jogo eletrônico não sai como planejado: foi necessário matar o motorista.
Os assaltantes agora discutem que destino dar ao menino que teve a má sorte de testemunhar o crime.
Jefferson Moraes (também conhecido como Profeta) quer poupar o garoto. Seu irmão Délcio (apelido Esqueleto) propõe executá-lo. “Tu tá sempre achando que dá para botar meio pé no crime. Ou tá dentro ou tá fora, porra!” Délcio diz a Jefferson.
Esqueleto (Ruan Aguiar) está enganado. Profeta (André Lamoglia) leva muito a sério sua carreira criminosa. Não deseja matar crianças para chegar ao topo, mas para os adultos que o traírem não haverá misericórdia.
A ambição incendiária de Jefferson impulsiona a ação de Os Donos do Jogo, a série brasileira que vem ocupando o primeiro lugar entre as mais vistas da Netflix no Brasil – e cujo sucesso já garantiu uma segunda temporada.
A relação entre popularidade e qualidade às vezes se resume à rima pobre, mas não é assim em Os Donos do Jogo. Com elenco afiado e roteiro afinado, a série criada pelo produtor e diretor Heitor Dhalia – que entre outras realizações dirigiu o filme O Cheiro do Ralo – conjuga um retrato visceral da contravenção carioca e um drama familiar carregado de substância trágica.
A chegada de Profeta ao Rio de Janeiro, vindo de Campos de Goytacazes, conduzirá a uma cruenta guerra nos domínios da família Guerra, detentora de boa parte dos pontos de bicho da capital fluminense.
Filho adotivo (sua origem é um segredo explosivo que ele mesmo desconhece), Profeta anseia por fazer seu nome longe do pai tirano e da família que ainda o trata como um estranho. O único que o respeita é o irmão Nélio Júnior (Pedro Lamin), homem leal e caladão que acompanha Profeta ao Rio – e que é a melhor pessoa para se ter ao lado quando estoura um tiroteio.
Depois de modernizar e ampliar os negócios ilícitos de seu pai em Campos, Profeta quer levar seu empreendedorismo ilegal ao Rio. A longo prazo, espera sentar-se à mesa da cúpula, o clube exclusivo dos senhores do jogo ilegal.
Sua margem de manobra, porém, é estreita: a cidade já foi dividida pelas tradicionais famílias de bicheiros (o Jogo do Bicho, aliás, já não é o negócio principal: foi superado por caça-níqueis e máquinas de bingo eletrônico).
Esperto e bom de lábia, Jefferson consegue negociar até com o cano de um revólver pressionado contra sua testa. Mas acaba enroscado na rede inextricável de interesses conflitantes e relações espúrias que é a contravenção carioca.
Finamente urdido, o enredo vai atando Jefferson a uma diversificada galeria de bandidos, golpistas e escroques: o investidor francês com ligações mafiosas que paga um deputado para defender a legalização dos cassinos no Brasil, o filho do bicheiro que desvia dinheiro da escola de samba financiada pelo próprio pai, o policial corrupto que conduz investigações a serviço da contravenção.
Em meio a essa fauna criminosa, Jefferson consegue firmar algumas alianças estratégicas. A enigmática Leila (Juliana Paes), por exemplo, toma o jovem como uma espécie de protegido.
Mas a parceira mais próxima de Jefferson – nos negócios e na cama – será Mirna Guerra, filha de um grande bicheiro que, em processo avançado de senilidade, já não tem mais voz na cúpula. Mirna ressente-se porque sua irmã, Suzana (Giulia Buscacio), conseguiu afastá-la dos negócios da família.
Jamais gratuita, a violência segue um crescendo avassalador ao longo da série. No entanto, não é por causa de espancamentos e explosões que a corda do enredo está sempre tensa: há uma violência mais íntima e destrutiva, que vai esfacelando amizades e rompendo relações fraternas.
A rivalidade amarga entre as irmãs Mirna e Suzana Guerra, o lugar indeciso que Jefferson ocupa na família que o adotou, as traições mútuas entre Galego e Leila – essas irremediáveis crises domésticas ampliam a afirmação feita por Esqueleto no primeiro episódio de Os Donos do Jogo: no crime, todos entram não só com os dois pés, mas também com a alma.
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