Um mês atrás, Fábio Barbosa assumiu o posto de CEO da Natura&Co com os investidores questionando se a empresa tem um problema apenas conjuntural – ou também estrutural. 

Mas além de ajustar a operação, o principal desafio do executivo é recuperar a credibilidade da companhia. 

“O papel não teria caído tanto se a Natura não estivesse hoje com um problema de credibilidade,” resumiu um analista. “A ação está barata e vai ficar assim até que a empresa se explique melhor e resolva diversos problemas.”

Fábio barbosaA ação da Natura chegou a R$ 60 em julho do ano passado, com o mercado ‘comprando’ a tese de que a integração da Avon na América Latina seria um sucesso. Mas depois de três resultados trimestrais muito fracos, o papel está na casa dos R$ 16 com uma queda acumulada de 73% em um ano. 

Para um gestor que ainda acredita na tese, no preço atual a Natura é ‘a barganha de uma vida’. “O mercado está precificando tudo de ruim no curto prazo, sem acreditar que a empresa pode virar esse jogo no longo prazo,” ele disse. 

É consenso no mercado que a Natura se transformou numa empresa muito complexa de gerir e analisar: são operações nos quatro cantos do mundo, que têm modelos e estágio distintos e praticamente nenhuma sinergia entre si.  

O desafio principal da Natura hoje é a integração da marca com a Avon no Brasil e na América Latina, que respondeu no primeiro trimestre por 58% das vendas da empresa. 

A Natura ainda é dona da Avon Internacional, que reúne as operações da marca em mais de 30 países; da rede de varejo The Body Shop, que nasceu no Reino Unido; e da australiana Aesop, focada no consumidor de mais alta renda. 

Um gestor comprado na ação se pergunta se faz sentido para a Natura reunir esses quatro negócios tão diferentes. “É muito prato girando. Será que não valeria mais a pena um modelo de negócios mais simples e com mais sinergias?” 

Há três trimestres, problemas vêm aparecendo em quase todos os negócios e, na visão do mercado, são amplificados por falhas na comunicação.

Um gestor que desistiu do papel disse ao Brazil Journal que a empresa poderia ter deixado mais claro o impacto da pandemia nas vendas, que foram favorecidas porque concorrentes fecharam lojas e ela se mostrou mais ágil na digitalização. “O mercado comprou a Natura num momento de venda inflada pela pandemia. Parte da surpresa negativa tem a ver com isso,” disse.

Mas não foi só. A empresa mudou o guidance, costuma dar muito pouco disclosure de seus números e, no último trimestre, teria antecipado resultados para um grupo de analistas do sellside.

O que ninguém pode dizer é que a Natura não está ouvindo as reclamações.  

Em março, logo depois do último resultado, a diretora de RI Viviane Behar renunciou, e desde então o CFO Guilherme Castellan está acumulando a função. 

A troca do CEO na holding também atendeu a uma demanda de investidores. 

A seguir, os cinco maiores problemas que o mercado vê na Natura.

Problema #1 – A holding têm peso demais

Cada um dos quatro negócios da Natura têm um CEO. E Fábio está chegando agora para assumir o comando da holding, que ‘coordena’ todas as outras empresas. 

Em suas primeiras declarações, Fábio falou em simplificar estruturas e dar mais autonomia a cada uma das unidades de negócio — exatamente o que o mercado queria escutar.

Na percepção do mercado, o papel de CEO da holding é o de intermediar a relação dos CEOs das empresas com os acionistas fundadores da Natura – Antônio Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos, que são co-presidentes do conselho da holding.

Investidores dizem que, no início, Roberto Marques (o antigo CEO) atuou bem nesse papel, mas com o tempo passou a ganhar um protagonismo exagerado.

“Ele, lá do exterior, interferia na contratação de funcionários para cuidar dos recursos humanos na Natura na América Latina. Participava de decisões corriqueiras como essa, que cabem mais a quem está no dia a dia, e acabava tornando o processo decisório na empresa mais lento,” disse um gestor. 

O mercado espera que Fábio leve a holding a um papel de menos protagonismo – nos moldes da Itaúsa – e consiga conduzir melhor a participação dos fundadores no negócio. 

“São três pessoas que pensam diferente e que tomam decisões quando entram em consenso. E isso aparentemente vinha acontecendo de forma muito lenta,” disse o investidor. 

Para alguns analistas, além de não estar sendo eficiente, essa estrutura de plataforma de marcas comandada por uma holding é muito custosa: nas estimativas do mercado, a holding consome mais de US$ 80 milhões/ano. 

Problema #2 – Aesop

A Natura entrou numa fase tão conturbada que está tendo de lidar com problemas até onde eles – em tese – não existem. 

A empresa está analisando um spinoff da Aesop, depois de provocada pelos executivos da companhia australiana e também por investidores.  

Adquirida em 2013, a Aesop foi o primeiro passo da Natura para transformar seu negócio na plataforma de marcas que é hoje. E a empresa vem entregando resultados excepcionais: de 2013 a 2021, cresceu a receita a uma taxa média de 20% ao ano e tem margem bruta na casa dos 90%. 

O problema: a Aesop é o único dos quatro negócios que vai muito bem, obrigado.

E a derrocada das cotações fez com que a ação da Natura deixasse de ser uma moeda forte para remunerar o management da Aesop, o que deixa os executivos insatisfeitos por estarem entregando resultados sem serem recompensados. 

“Esse é mais um claro sinal de que há um problema nessa estrutura de holding de marcas,” disse um analista. 

A Natura já fez alterações nessas remunerações, em parte trocadas por bônus, mas pode segregar o negócio, mantendo-se no controle. Além de viabilizar a recompensa aos executivos, a operação destravaria valor para o negócio. 

Hoje, a Natura está valendo US$ 4,1 bilhões, e o mercado acha que a Aesop, sozinha, pode valer mais da metade disso. 

Analistas usam como proxy a compra da DECIEM pela Estée Lauder, em 2021, por US$ 2,2 bi. No mês passado, a Puig levou a Byredo pagando 8,4x o lucro para 2021. “Nesse múltiplo, a Aesop valeria R$ 21 bi (cerca de US$ 3,88 bi),” disse outro analista. 

A Natura pagou US$ 100 milhões pela Aesop em 2013. E desde então, a rede, que tem lojas únicas, desenhadas por arquitetos renomados, vem ganhando mercado na Ásia – começou pelo Japão e está entrando na China. 

Problema #3 : Integração Natura e Avon

Quando a Natura fechou a compra da Avon na América Latina e em outros 40 países (Avon Internacional) todo mundo sabia que a brasileira estava comprando um ativo ‘estressado’, que vinha desde 2010 enfrentando crises, escândalos de corrupção, estava em reestruturação e já havia abandonado os investimentos na marca. 

Mas o mercado comprou a tese de que, nas mãos da Natura, a operação faria todo sentido principalmente por conta das sinergias entre os negócios no Brasil e na América Latina sob praticamente todos os aspectos: força de vendas, logística, fábricas, compra de insumos, etc.

“Era juntar os números 1 e 2 da região, capturar as sinergias e melhorar a eficiência da Avon,” disse um gestor. 

Na pandemia, a operação, baseada em venda direta, deu um salto, favorecida pelo fechamento das lojas de concorrentes, como o Boticário, pela busca da população por novas formas de renda e também pelo auxílio emergencial. 

A Natura se mostrou à frente na concorrência na digitalização e rapidamente colocou as consultoras para trabalhar nesses meios. Mas o que o mercado num primeiro momento atribuiu a uma conquista da gestão foi se mostrando mais como um produto da conjuntura. 

Quando as lojas reabriram e o auxílio acabou, o quadro mudou para um cenário de inflação em alta e economia desaquecida – e o terceiro tri veio com queda nas vendas de Natura e Avon. 

“A partir dali, surgiu uma preocupação se havia algum problema com a marca Natura, se ela estava perdendo market share como aconteceu em 2017, com o avanço do Boticário,” disse um gestor que passou a estudar assunto a fundo, colheu dados de mercado e está confiante para dizer que isto não aconteceu. “Apesar do tropeço no terceiro tri, a marca Natura segue mais forte do que nunca e com rentabilidade preservada, como já sinalizaram os resultados dos outros trimestres.” 

O problema na Avon foi pior. 

Num dos primeiros passos da integração, a Natura quis reproduzir na Avon o esquema comercial que tem com suas consultoras, que recebem um incentivo de remuneração em função da performance. 

Na Avon, os incentivos eram outros – as líderes, por exemplo, tinham remuneração extra a partir da quantidade de novas consultoras que traziam para o negócio, e esse incentivo foi retirado. 

“A Natura errou no timing, exigiu performance num momento em que a inflação já estava em alta e a economia, desaquecendo. Ficou difícil para essas consultoras aumentarem a produtividade e houve uma debandada,” disse um gestor.

Para outro analista, o mercado exagerou na reação a este problema. “Isso é perfeitamente normal na troca de modelo comercial. Serve inclusive para limpar da base aquelas consultoras menos produtivas. Tanto o modelo da Natura tem sucesso que foi a Natura que comprou a Avon, e não o contrário,” disse. 

A Natura fez alguns ajustes nessa transição de modelo, rebalanceou as metas e voltou a remunerar pelo acréscimo de novos profissionais à rede. O mercado acredita que esse problema certamente atrasou o turnaround na Avon mas foi endereçado – e o resultado deve aparecer nos próximos trimestres. 

A maioria dos investidores ouvidos pelo Brazil Journal acredita que, apesar dos percalços, a empresa vai sim ter êxito nessa integração e acredita no time comandado pelo CEO João Paulo Ferreira. 

Problema #4 – A caixa preta: Avon Internacional

Se a Avon na América Latina casa como uma luva na operação da Natura na região, a Avon internacional – que reúne operações em países tão distintos quanto Rússia, Ucrânia, África do Sul, Filipinas e Polônia – é vista pelo mercado como uma verdadeira caixa-preta. 

“São muitas operações, em países muito diferentes, cada um com um modelo. Às vezes a Avon vende só cosméticos, às vezes só lingerie. E a empresa não dá muito disclosure sobre os números,” disse um analista. 

Para piorar, Rússia e Ucrânia, em guerra, são muito relevantes para a operação – um analista disse que respondem por 30% da receita.  “O pior momento desse resultado ainda vai aparecer no segundo trimestre,” ele disse. 

A Avon Internacional responde por cerca de 22% das vendas da Natura, e as receitas no primeiro trimestre, já impactadas pela guerra, caíram cerca de 24%. 

A Natura chegou a vender ao mercado a tese de que a Avon Internacional seria uma porta de entrada para a marca Natura na Europa. Hoje, diante da falta de visibilidade, muitos analistas preferem atribuir valor ‘zero’ ao negócio. “Se essa operação não sugar recursos da companhia, ela já está no lucro,” disse um analista.  

Problema #5 – The Body Shop 

Em 2017, a Natura comprou a The Body Shop (TBS) – uma operação de lojas físicas na Europa e muito forte no Reino Unido – e conseguiu fazer um turnaround

Mas os resultados do primeiro tri – com queda de 26% na receita – preocuparam o mercado. A TBS responde por 12% das vendas da Natura. 

Os gestores se dividem entre os que acham que o problema nessa operação não é estrutural, e sim um reflexo da alta da inflação, que abalou a confiança do consumidor europeu, e também da variante omicron, que afastou os clientes das lojas e pegou franqueados superestocados. 

Os mais pessimistas acreditam que a TBS está perdendo share, embora o tamanho dessa perda seja ainda um grande ponto de interrogação. “A verdade é que tanto The Body Shop quanto Avon são duas marcas cansadas”, resumiu um analista.