Milionários, bilionários e celebridades baixaram em peso na Suíça há alguns dias para participar da Art Basel, a feira mais tradicional do calendário das artes. Fundada em 1970 para atrair uma nova onda de colecionadores do pós-guerra, a feira se diferencia pela seleção criteriosa de galerias e a quantidade de eventos sociais exclusivos — em suma, um lugar to see and be seen.

Foi lá que Luisa Malzoni Strina, a dona da galeria mais longeva e conceituada do país, comemorou seus 80 anos entre amigos, artistas e colecionadores em dois jantares consecutivos.

Basel tem um significado especial para Luisa. Ela foi a primeira brasileira a participar da feira, em 1992, e, por diversos anos, a única. “A galeria de Strina tornou-se uma instituição de fato na cena cultural brasileira,” decreta o site da feira.

Luisa StrinaLuisa figurou por sete anos na lista da revista Art Review como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo das artes. Sua posição no ranking variou ao longo dos anos, mas na sua estreia, em 2012, estava na frente de Yayoi Kusama, por exemplo.

Em 2014, Luisa foi fotografada por Annie Leibovitz para uma matéria da Vanity Fair com as 14 galeristas mais importantes do mundo, junto com Marian Goodman, Paula Cooper e Victoria Miro.

O interesse pela arte começou cedo, mas como não existia uma faculdade específica, Luisa resolveu cursar psicologia até se dedicar a cursos livres de fotografia e pintura na FAAP. Começou a conviver com artistas e percebeu que seu maior talento era um olhar clínico para identificar o que era bom, acompanhado de um tino comercial.

Em 1974, alugou o atelier do amigo Luiz Paulo Baravelli na Rua Padre João Manuel, nos Jardins, e abriu a galeria com seu nome. A primeira exposição incluiu José Resende, Baravelli, Nelson Leirner, Rubens Gerchman, Santuza Andrade e Wesley Duke Lee (com quem foi casada por oito anos). Em três meses,  recuperou o investimento inicial.

Numa conversa com o Brazil Journal, Luisa lembra que nos anos 70 Rio de Janeiro e São Paulo eram dois mercados muito diferentes e isolados. A galeria começou com artistas paulistas, mas logo os cariocas a procuraram, como Tunga, Cildo Meireles e Antonio Dias.

Desde o começo teve um olhar para fora do País, tanto para conhecer a produção internacional quanto para mostrar os artistas brasileiros no exterior. Antoni Muntadas foi o primeiro artista internacional que representou (hoje o mais antigo a ser representado pela galeria). Muitos outros vieram depois.

Os artistas mais consolidados indicavam colegas para a galeria.  Antonio Dias conheceu na Itália o jovem  Leonilson e sugeriu que o artista cearense procurasse Luisa na volta ao Brasil. Quando viu os trabalhos, a galerista comprou todos na hora e quis representá-lo imediatamente; segundo Luisa, foi a decisão mais rápida de sua história.

Cildo disse certa vez que a galeria certa lhe proporcionaria muito dinheiro e o dobro de liberdade – o que encontrou em Luisa, numa parceria firme que já dura mais de 40 anos.

Luísa mantém o mesmo interesse e empolgação do começo da carreira quando fala de arte. Além de galerista, é uma grande colecionadora – e como todo colecionador sabe, esse é um amor que nunca acaba.

Márcia Fortes, sócia da Fortes, D’Aloia Gabriel, disse num discurso em Basel que Luisa lhe deu um conselho há muitos anos: “não venda, compre!”

Paulo Vieira, fundador do escritório de advocacia Vieira Resende e diretor executivo do MAM-Rio, é amigo da galerista há mais de 30 anos.

“A Luisa não é vendedora. Ela não vive no mode de venda. Ela tem o olhar e a paixão da colecionadora – não se interessa somente pelo que vende. Tem uma curiosidade holística, que inclui móveis e objetos históricos, design e arquitetura. Viajou o mundo todo, viu de tudo e interagiu com as pessoas mais interessantes,” disse Paulo.

O respeito internacional conquistado pelo trabalho incansável das últimas cinco décadas garante a Luisa uma autoridade sem paralelo. Ela sabe exatamente o que quer e sempre diz o que pensa, sem subterfúgios. Isso incomoda a alguns, principalmente pelo fato de ser uma mulher forte em um país ainda pouco acostumado com isso. Jovens artistas e colecionadores a temem; os que a conhecem, adoram-na.

Nas feiras de arte internacionais, é comum ver curadores renomados pararem em seu stand para saber o que ela gostou ou se interessou, tamanha é sua autoridade.

Quando Luisa contempla uma nova obra, é comum ouvir dela: “Não sei se gosto disso… Não sei se está na hora… Preciso pensar mais.”

“A dúvida é algo latente em todo o colecionador e nem todos têm a segurança de expor quando isso acontece,” disse Paulo.

Ao contrário de praticamente todas as galerias do País e do mundo, o escritório de Luisa fica em uma sala aberta, entre os espaços expositivos da galeria, o que faz dele passagem obrigatória para todo visitante que circula por lá. “Ela controla tudo com o olhar. E não há o risco de alguém sentar na frente dela sem ter sido expressamente convidado,” diz Ricardo Sardenberg, galerista, curador e outro amigo de longa data.

“A pessoa precisa ser interessante para Luisa. Ela adora uma troca de qualidade. Como toda pessoa pública, ela precisa se proteger. Estar no plano aberto, acessível para todos, é muito mais democrático que os demais. Ela tem a habilidade de criar uma espécie de vidro protetor. Quem mais sabe fazer isso com classe e elegância?,” diz Paulo Vieira.

No final dos anos 80, Marcantonio Vilaça e Thomas Cohn eram galeristas importantes, mas Luisa transformou o mercado. Pioneira em trazer artistas de fora e levar os daqui para lá (hoje um modus operandi de todas as galerias), Luisa se tornou uma verdadeira agente cultural, apoiando artistas jovens, projetos institucionais dos mais diversos e o intercâmbio entre os artistas de diferentes nacionalidades.

“A galeria tem um pensamento por trás. Não segue tendências – seu compromisso primordial é com a própria convicção. Luisa reflete muito sobre o que apresenta, avalia a maturidade do trabalho dos artistas jovens antes de cada exposição, mantendo um cuidado de longo prazo com o artista,” disse Paulo.

Pessoas próximas destacam também o lado mecenas, com doações muitas vezes anônimas a museus e outras instituições. Perguntei sobre isso, e Luisa respondeu que prefere falar sobre novos projetos e artistas. “A arte que é importante,” me atalhou.

Então, quais os planos agora com aos 80 anos e com a galeria prestes a completar 50?

“É tudo uma farsa: não estou fazendo 80, e sim 45. É assim que me sinto,” Luisa responde rápido.

“Longa é a arte, tão breve a vida,” diz o verso inesquecível de Tom Jobim.  Que Luisa tenha ambos, ainda por muito tempo.