O advogado José Luiz Bulhões Pedreira (1925-2006) foi o grande formulador dos alicerces das modernas instituições capitalistas brasileiras, e o artífice ao lado de outros mestres – como Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen e Octávio Gouvêa de Bulhões – da montagem institucional do Estado como é conhecido hoje.
Em apenas três meses no Governo Castello Branco (1964-1967), o jurista, que teria completado 100 anos esta semana, fez legislações societárias e tributárias que muitos advogados brilhantes demorariam dezenas de anos para sistematizar.
Bulhões deixou como legado a capacidade de encontrar soluções elegantes para problemas de alta complexidade, e foi pioneiro no uso da matemática e da contabilidade aplicada ao Direito.
Tinha a mente criativa – é de sua lavra a criação do Banco Central independente em 1965 e a reforma bancária – e uma linha engenhosa do conhecimento jurídico-econômico, além de ser um mestre generoso com seus alunos, capaz de dar cursos gratuitos e preparar apostilas apenas pelo prazer de ensinar e formar profissionais.
Entre outros feitos, foi Bulhões quem criou o mecanismo da indexação na legislação econômica em 1964, visando compensar os efeitos da variação do poder aquisitivo sobre os contratos de longo prazo e sobre as receitas fiscais.
Ao lado do amigo Alfredo Lamy Filho, produziu a Lei das Sociedades por Ações de 1976, baseando-se no Direito francês e com algumas contribuições jurídicas dos Estados Unidos – em que pese o caráter inovador da legislação, que protegia os minoritários. Enquanto Lamy era um scholar, Bulhões tinha o conhecimento da vida cotidiana das empresas.
Não à toa defendeu, certa vez, que “o empresário atua como um jogador: caso não tenha aptidão para o risco, não vai progredir no negócio.”
Bulhões também redigiu com Lamy o anteprojeto que criou a Comissão de Valores Mobiliários, tentando frear os malfeitos e o covil de ladrões na Bolsa. Em seu apartamento na Avenida Atlântica, Bulhões recebeu diversas vezes o Ministro do Planejamento, Roberto Campos, para os últimos retoques em leis que mudaram o Brasil.
Num depoimento em 2008, o banqueiro Daniel Dantas, que foi cliente do escritório de Bulhões, descreveu assim o advogado.
“As soluções trazidas por ele eram extraordinariamente eficientes. Suas ideias funcionavam com o mínimo possível de recursos, produzindo o máximo de efeitos. Só que essa simplicidade era resultante de uma sofisticada forma de elaboração. Ele via o existente como um dado que pode ser aprimorado. Bulhões tinha a capacidade de aquilatar a realidade de uma forma extraordinária. É muito difícil fazer um contrato ou uma lei. É preciso prever contingências que poderão acontecer. É um esforço mental. (…) Ele pensava tanto na construção quanto no resultado. Era uma mente de enxadrista, capaz de olhar três ou quatro jogadas à frente e perceber a consequência de cada uma. Por isso, funcionava.”
Bulhões Pedreira foi desapegado à notoriedade e ao reconhecimento público, mesmo tendo participado de grandes decisões que moldaram o Brasil ao longo de meio século. Agiu com discrição, quase invisível, e não deixou sucessores à altura de sua engenhosidade.
Carlos Eduardo Bulhões Pedreira é advogado e filho de José Luiz Bulhões Pedreira.
Coriolano Gatto é jornalista e um dos co-autores da biografia do jurista, publicada pela Insight Comunicação em 2009.