Nas últimas duas semanas, os mercados têm atravessado uma nova fase de desânimo, logo depois de uma breve euforia, que por sua vez sucedeu um período de depressão profunda.

Em pouco mais de seis meses, fomos do inferno ao céu – e agora, temem alguns, voltamos ao inferno.

Mas como no célebre provérbio americano – “é sempre mais escuro logo antes do romper da manhã” – há razões para acreditar que o mercado pode estar perto de oferecer um ponto de entrada, tanto nos ativos brasileiros quanto na renda fixa global.

Aspectos técnicos como uma grande dispersão de preços nos últimos leilões de Treasuries (além de uma oferta muito grande) causaram uma onda de stops num mercado que estava ansioso por capturar o fim do ciclo de aperto global.

Machucado, o mercado tenta explicar o que aconteceu com uma nova ‘narrativa’: a de que a política monetária não funciona, e de que o Fed terá que subir as taxas indefinidamente, ou simplesmente mantê-las altas por muito tempo (“higher for longer”).

É bom lembrar que a narrativa deste ano no Brasil começou com uma frustração extrema justamente porque os mercados queriam reviver os áureos anos 2000 – e logo “concluíram” que o mais provável era termos uma reprise de 2015.

Isso levou os prêmios de risco para o espaço na mesma hora que o cenário global começava a sugerir um misto de soft landing com Goldilocks.  (Apesar de frequentemente atribuirmos os movimentos de mercado a fatores locais, é o global que sempre domina, especialmente se você ainda faz parte do mundo – e o Brasil faz.)

Depois que o mercado começou a andar no Brasil, cunhei o termo “shy buying” para definir a capitulação do pessimismo local.  Muitos gestores se viram forçados a comprar para não ficar para trás – mas tiveram que fazê-lo em silêncio, discretamente, pois haviam vaticinado por meses que o Brasil iria explodir.

O que mais impressiona nesse ano é como a narrativa se ajusta à realidade – e não o oposto, como deveria ser.

Se hoje o cenário global parece uma causa perdida, é bom lembrar que no Brasil o feeling foi o mesmo até meados de março, quando finalmente os efeitos acumulados dos juros começaram a impactar a inflação.

Há uma chance não negligível de que o mesmo esteja prestes a ocorrer nos Estados Unidos, na medida em que a glicose dos estímulos fiscais e do acúmulo de poupança cedam lugar à ressaca do aperto. Tudo que está sendo explicado agora (do porquê da recente deterioração das Treasuries) é tão somente a narrativa explicando os fatos.

Aqui no Brasil está contratada tanto uma desaceleração da economia quanto seus impactos na inflação de serviços, além de uma combinação única de preços de commodities e câmbio estáveis. O juro real continuará subindo assim como no resto do mundo, o que fatalmente exigirá dos BCs uma reação. Em outras palavras, podemos estar próximos do pico dessa ressaca que tem impactado o Brasil – e que mais uma vez sofre pelos excessos de sua indústria financeira, sempre tão binária.

O mundo conspira a favor do Brasil via preços de commodities e no momento em que a geopolítica está sendo redesenhada. Mas a trajetória não será linear como foi entre 2003 e 2013, tampouco rápida ou fulminante (e até por isso, artificial) como no recente período surreal de juro baixo. Será um mercado de paciência.

Os riscos ainda são grandes, pois o Brasil precisa lidar com seu risco de execução fiscal (nada trivial), que tem deixado o juro real de longo prazo estacionado em 5,5%, o que fatalmente mata qualquer possibilidade de um rali maior dos ativos.

Porém não nos esqueçamos, de novo, que o juro real também está aí pelo cenário global – e se estivermos certos, em breve a reversão desse cenário pode nos favorecer. Não na velocidade e magnitude que muitos de nós desejamos, mas na medida do possível.

Sandro Mazerino Sobral é diretor de tesouraria e trading do Santander Brasil.