Um PL que está tramitando no Congresso pode aprimorar os mecanismos de ressarcimento de investidores em casos de prejuízos causados, por exemplo, por fraudes — além de ampliar as ferramentas da CVM em seus processos de investigação.

O PL 2.925/2023 — que propõe ajustes na Lei de criação da CVM e na Lei das Sociedades Anônimas — vem sendo alvo de críticas que parecem ignorar o fato de que existem deficiências estruturais do chamado enforcement privado no mercado brasileiro de capitais.

Apesar desse diagnóstico não ser surpresa, ele foi confirmado pela OCDE em estudo recente conduzido pelo Ministério da Fazenda e pela CVM. O recado foi contundente: o Brasil não mostra efetividade nesses processos de indenização.

Isso evidencia um ambiente inadequado para negócios, o que deixa o País muito aquém de seus pares internacionais.

Pelas regras atuais, os requisitos de percentual acionário requerido para que investidores lesados tenham direito a pleitear o ressarcimento são elevados, chegando a até 5% do capital social de uma empresa – sem mencionar os altíssimos custos envolvidos para geração de provas e operacionalização de processos arbitrais e judiciais.

Dentre outras medidas, o PL propõe que este percentual acionário seja reduzido pela metade, permitindo que um número maior de investidores consiga preencher esse requisito.

No campo das sanções, a sensação de impunidade gera desconforto: não há histórico de condenações ou aplicação de penalidades exemplares para os maiores escândalos ocorridos no País.

Por exemplo, contam-se nos dedos de apenas uma mão os casos de insider trading efetivamente punidos nos últimos 20 anos.
Há várias explicações para isso. Uma delas é a falta de ferramentas da própria CVM para conduzir investigações que exigiriam poderes próximos ao de polícia, como ocorre em mercados mais maduros.

O PL propõe equipar o regulador com esses mecanismos, permitindo que a CVM faça uso de mandados de busca e apreensão em suas investigações (como a SEC faz nos EUA). E também pretende passar a mensagem de que – garantida a ampla defesa e o contraditório, e ainda o respeito ao ato regular de gestão – aqueles que causarem dano em ambiente de falha por dolo ou culpa deverão ser responsabilizados.

Parece óbvio, mas essa obviedade agora precisa ser decidida pelo Congresso e estar expressa em lei.

Um ex-diretor do Banco Central, bastante experiente em regulação de mercado, certa vez me disse que o processo de desenho de regras para o setor financeiro exige maturidade não só de quem elabora as normas, mas também do mercado, para recebê-las.

A ideia é que não podemos dar passos largos demais para os quais não haja maturidade das instituições na implementação.

No Brasil de hoje, uma maior dose de responsabilização dos profissionais de mercado é necessária diante de casos de escândalos corporativos. No entanto, é razoável a realização de ajustes menores no texto do PL que tragam conforto aos administradores de que não haverá um clima policialesco, de litigiosidade exacerbada e de exageros de dosimetria.

Esses ajustes pontuais poderiam deixar mais evidente que não se pode colocar em um mesmo nível as falhas causadas dentro das companhias com aquelas causadas por prestadores de serviços e coordenadores de ofertas públicas que agiram de boa-fé na distribuição desses instrumentos.

Na esfera da tutela coletiva do mercado de capitais, o País hoje conta com o instrumento pouco efetivo da ação civil pública, carecendo de caminho mais eficiente que permita que maior número de lesados sejam indenizados.

Tomamos o caso de empresas brasileiras que negociam suas ações no Brasil e nos Estados Unidos (dupla listagem). Algumas delas foram alvo de class actions nos EUA por conta de prejuízos causados a todos seus investidores, independentemente do local de aquisição dos valores mobiliários.

O acionista que participou dessa ação coletiva nos EUA foi reembolsado, mas o investidor brasileiro, impedido pela justiça americana de ingressar com ações naquele país, não só ficou abandonado, como ainda teve que pagar indiretamente (perda de valor de sua parte na empresa) a conta do ressarcimento de seu colega acionista no exterior. É uma dupla injustiça ao investidor brasileiro!

O PL trouxe uma proposta sagaz, que aprimora o instrumento americano, para minimamente enfrentar a questão sem penalizar a própria companhia, que muitas vezes também é vítima.

A proposta é de que os autores dos danos sejam responsabilizados diretamente pelos prejuízos que causaram. Justo.

É verdade que é difícil imaginar um ressarcimento substancial vindo do bolso de pessoas físicas condenadas, mas não parece coerente advogar para que essa responsabilização nem chegue a ocorrer.

O périplo do investidor não para por aqui. Se ele conseguir superar todos os desafios e se organizar individualmente ou de maneira coletiva para ingressar com uma ação de reparação, ainda precisará lidar com um ambiente judicial pouco habituado a enfrentar questões societárias.

Na maioria dos casos, nas próprias decisões, o Judiciário não-especializado chega a qualificar como “mero oportunismo” a atitude daqueles que recorrem à Justiça ou a cortes arbitrais buscando ressarcimento.

Ou seja, no cenário vigente, para buscar o ressarcimento indireto (em nome da companhia) de um prejuízo que lhe foi causado de maneira dolosa, o investidor pode ganhar menos que seu próprio advogado, com risco de ainda ser obrigado a pagar os custos dos advogados da outra parte. O balanço de riscos é nitidamente desfavorável.

O PL propõe um reequilíbrio desses incentivos, redistribuindo os valores de prêmio entre autores das ações e seus advogados, válidos para todos os tipos de caminhos de reparação que passariam a existir na Lei das SA.

Sobre a transparência a ser exigida em processos de disputas arbitrais, como regra geral, a ideia também é simples. A OCDE questiona: “Como podemos permitir que maior número de investidores sejam ressarcidos se os processos arbitrais em curso são sigilosos?”. Isso sem contar a dificuldade na construção de jurisprudência em casos semelhantes.

Defender a manutenção integral desse sigilo seria sustentar a falta de transparência como objetivo regulatório.

Nas batalhas modernas, a Primeira Guerra trouxe a inovação do uso de capacetes com fins de proteção contra disparos de armas de fogo. O estudo das estatísticas do conflito mostra um aumento significativo do aumento de lesões na cabeça dos soldados.

O analista descuidado poderia inferir que esse aumento teria sido causado pelo uso do capacete, negligenciando que essa falha de análise desconsidera o número significativo de mortes evitadas.

O argumento de que haverá aumento do número de litígios caso o PL seja aprovado segue a mesma falha de análise.

Com o aperfeiçoamento proposto, o que se espera é exatamente que haja aumento da reparação para aqueles investidores lesados, sendo a litigância o caminho colocado na Lei para isso.

A miopia da crítica a um eventual excesso de judicialização ocorre ao se desconsiderar o número de investidores que hoje são mortos em combate, e que não chegam a entrar nas estatísticas dos que conseguem salvação pela via do ressarcimento.

Fábio Coelho é presidente-executivo da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).