Todos os movimentos e declarações do governador de São Paulo nos últimos dias indicam que ele considera fundamental contar com a benção de Jair Bolsonaro numa possível disputa com Lula — chegando a dizer que não confia na Justiça e prometendo indulto ao ex-presidente como primeiro ato, caso eleito.

O cálculo não é de todo estapafúrdio. Bolsonaro foi o único a derrotar um candidato petista em eleição presidencial desde Fernando Henrique, e por pouco não conseguiu se reeleger, mesmo com declarações anticiência durante a pandemia, além de Roberto Jefferson e Carla Zambelli aloprando na reta final.

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Concessões feitas, a leitura por trás deste esforço para ser ungido continua fundamentalmente errada. E por três razões.

Primeiro, ao partir de uma inversão: Bolsonaro de fato é o melhor cabo eleitoral possível, mas para Lula. Dada sua rejeição, é o atual Presidente quem será o grande puxador de votos de Tarcísio caso ele de fato entre na corrida.

O segundo erro é passar por cima de uma compreensão elementar: bolsonarista, antes de qualquer coisa, é um antipetista. É o eleitor que desde a redemocratização votou nos tucanos a contragosto, mas o fez porque do outro lado estava o PT. Bolsonaro e sua base de apoio, no fundo, são meros corpos hospedeiros de um sentimento muito anterior à ascensão do “mito” em 2018: a rejeição ao PT.

Por fim, como já acontece há tempos e cada vez mais na medida em que a polarização se acirra, candidatos representantes dos polos não precisam brigar por apoios que já serão seus automaticamente. Precisam, isso sim, seduzir o eleitor alheio à disputa binária em que a política nacional se tornou. Foi este eleitor que decidiu em 22. Será ele a decidir em 26.

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Faria todo sentido tomar o apoio de Bolsonaro como inestimável caso ele tivesse sido reeleito, demonstrado força política ao se eximir de entrar na campanha de Ricardo Nunes para prefeito de São Paulo e, claro, se o nome da família não estivesse ainda mais ferido de morte após as tarifas de Trump ganharem aplauso efusivo de seu filho, o auto-exilado deputado Eduardo Bolsonaro.

A realidade, contudo, não poderia ser mais invertida. Bolsonaro não só não se reelegeu como está inelegível, em prisão domiciliar e correndo o risco de acabar na prisão. Tarcísio constatou sua própria popularidade quando bancou a candidatura de Nunes para prefeito, indo de encontro ao conselho do ex-presidente para que se afastasse. Por fim, as movimentações de Eduardo em Washington tiveram o condão de manchar o nome do clã para além do eleitorado à esquerda.

Não se trata de sugerir que Tarcísio vire as costas para Bolsonaro — nem faria sentido desativar uma bomba que já explodiu — mas evidenciar o peso do “risco Bolsonaro”. Lula, o PT e a esquerda de maneira geral já se dedicariam a colar a pecha de bolsonarista em qualquer candidato que fosse enfrentá-los ano que vem. Reforçar essa narrativa não faz sentido.

Se o mesmo eleitor que apoiou Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Geraldo Alckmin em priscas eras acabou votando em Jair nas duas últimas eleições, não foi por enxergar semelhanças entre tucanos e o ex-capitão, mas porque do outro lado havia uma candidatura petista. Improvável que agora se recuse a votar em Tarcísio diante da possibilidade de um quarto mandato de Lula. Com ou sem endosso de Bolsonaro.

Há quem diga que o governador de São Paulo aposta no tempo que falta até a eleição para, mais adiante, limpar a imagem de bolsonarista que vem cultivando aos olhos do cidadão moderado. A ver.

A estratégia mais prudente e lógica, entretanto, continua sendo demonstrar a esse eleitor exausto da dicotomia — segundo recente pesquisa Genial-Quaest, um perfil que vem aumentando, com 27% buscando alternativa fora da polarização — capacidade para focar em boas políticas e se afastar da rinha populista.

Para um carioca que acabou governando São Paulo, e que mesmo após ter trabalhado para Dilma tem tudo para ser o candidato da direita, convenhamos, é tarefa fácil de ver. E que não deveria assustar.

Mario Vitor Rodrigues é jornalista.