Um País que deseja avançar no que importa precisa conseguir discutir, aprimorar e aprovar temas estruturantes mesmo sob o calor de campanhas. É fundamental superar o ditado de corredor em Brasília de que “nada se vota em ano eleitoral”.
Esperar passar a eleição para encarar decisões que mexem com a vida real das pessoas não é uma opção de impacto neutro. É uma escolha com efeitos negativos concretos.
A paralisação cria vácuos normativos, alimenta a litigiosidade, encarece financiamentos e afasta investimentos que precisam de regras estáveis. A conta chega na forma de serviços precários, desperdício de recursos e descrença nas instituições, quando não no próprio sistema democrático.
Se a preocupação é proteger o cidadão de decisões precipitadas, a solução não é o adiamento automático, mas um processo público, transparente e responsável, sem truques ou “jabutis”. O Congresso, aliás, já não delibera assuntos sensíveis todos os anos, como o Orçamento, reconhecendo que previsibilidade também é serviço público?
O acirramento da disputa política – cada vez mais tomada por promessas mirabolantes, ofensas desmedidas e baixarias nas redes sociais – torna ainda mais importante ancorar a campanha eleitoral em uma agenda positiva, concreta e transformadora, evitando que o debate público seja sequestrado por ruídos sem consequência. Necessitamos de compromissos programáticos que iluminem o caminho à frente, que apontem para um país mais inclusivo — e inclusivo na modernidade. A política do século 21 deve estar à altura dos problemas do século 21.
O Presidente da Câmara, Hugo Motta, pode demonstrar liderança e enfrentar pelo menos duas grandes pautas virtuosas ainda em 2026: a reforma administrativa, tendo como eixo o recém-apresentado projeto de lei do deputado Pedro Paulo, e a aplicação intensiva da inteligência artificial no Estado, para atacar o tripé que nos trava há décadas: ineficiência, desperdício e corrupção. As agendas se reforçam: a reforma administrativa cria incentivos, responsabilidades e liderança para gestão por desempenho; a AI viabiliza metas, monitoramento e prestação de contas em escala.
O projeto de Pedro Paulo acerta ao focar no serviço ao cidadão e oferecer instrumentos práticos para o gestor entregar resultado: carreiras mais simples e transparentes, progressão vinculada a desempenho, concursos ágeis e regulares para repor e qualificar quadros, profissionalização de lideranças e critérios claros para cargos de confiança.
Soma-se a isso o controle rígido de gastos e o fim de distorções (penduricalhos, supersalários) preservando a estabilidade de carreiras essenciais, a digitalização de processos, o uso intensivo de dados e metas, com avaliação periódica, e regras de transição que dão previsibilidade. Votar essa reforma em 2026, com cláusulas de revisão, facilitará o trabalho da próxima legislatura e oferecerá a gestores e servidores um mapa claro do que será exigido e valorizado.
Em paralelo, o Estado precisa de um choque de inteligência artificial prático, mensurável e focado nas dores do cidadão. AI para compras públicas (detectar conluios e sobrepreços em tempo real), para benefícios sociais (cruzar bases e cortar fraudes sem punir quem precisa), para saúde (fila inteligente, triagem e lembrete de consultas), para fiscalização (achados automáticos em notas fiscais, obras e convênios), para justiça administrativa (classificação de processos repetitivos) e para atendimento (assistentes que resolvem, não empurram).
Tudo isso liberará recursos para a sala de aula, o remédio, o transporte e o policiamento — e podem ser capturados em meses, não décadas, se houver métricas e lideranças que olhem para o pára-brisas em vez do retrovisor. Importante: a AI deve apoiar o servidor, com treinamento e requalificação, reduzindo tarefas repetitivas e redundantes.
Tecnologia sem governança vira risco, porém. Por isso o uso da AI requer trilhos: base legal e alinhamento à LGPD, auditorias independentes, explicações nas decisões que afetam direitos, comitês de ética com participação da sociedade civil, segurança cibernética de ponta, dados públicos de qualidade e projetos-piloto com avaliação de impacto. Além disso, contratação pública inteligente, indicadores de economia/qualidade e transparência sobre erros e correções são essenciais.
Há um ano do segundo turno de 2026, é justo cobrar desde já clareza e participação de quem quer governar. Em um quadro que tende a reeditar a polarização de 2018 e 2022, os candidatos à Presidência devem esclarecer se apoiam a votação da reforma administrativa ainda em 2026, quais salvaguardas propõem, que compromissos assumem para um programa nacional da AI no setor público e que interesses corporativos estão determinados a enfrentar.
A mensagem que o Brasil precisa enviar a si mesmo é simples: decisões maduras não seguem o calendário, mas a necessidade do País e de seu povo.
Avançar agora na reforma administrativa, junto com um investimento sério em tecnologia no aparato estatal, é um caminho direto na direção de um Estado mais justo, eficiente e afetivo.
Luciano Huck é empreendedor.