Em quase 25 anos de carreira focados quase que exclusivamente na iniciativa privada, também carrego no currículo ter trabalhado nas duas últimas campanhas vitoriosas à Presidência: a de Jair Bolsonaro em 2018, e a de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.
Bolsonaro destacou-se por suas promessas de combate à corrupção, segurança pública e liberalismo econômico. A campanha foi marcada por um forte uso das redes sociais e uma retórica polarizadora, especialmente em relação a temas como segurança e moralidade.
Já a campanha de Lula em 2022 focou na retomada do crescimento econômico, inclusão social e defesa da democracia. A campanha também se baseou em sua imagem de ex-presidente e nos avanços sociais de seu governo anterior, além de enfatizar a necessidade de unir o País em um momento de polarização política.
Ambas as campanhas refletiram diferentes contextos sociais e políticos, além de abordagens distintas em relação às questões que mais preocupam o eleitor brasileiro).
Nas eleições municipais deste ano, os olhos do País se voltaram para o pleito de São Paulo, onde o “outsider” da política, o ex-coach Pablo Marçal, transformou a corrida num museu de grandes novidades, revivendo a disputa entre a política e sua própria negação.
O sucesso recente de Marçal demonstra que, assim como em 2018, o campo progressista continua atrasado no entendimento e no domínio da comunicação digital.
Este atraso decorre de diversos problemas, mas o maior deles é a resistência de boa parte da chamada esquerda de usar os algoritmos a seu favor.
Sejamos justos: não é uma tarefa fácil abraçar a lógica das plataformas. Não é fácil, porque significa abraçar uma postura beligerante, polemista e esvaziada de comunicação. Algo parecido com o que Janones faz nas redes, por exemplo.
Mas se querem mudar essa lógica, que os partidos lutem após as eleições pela regulamentação da internet e das redes sociais. Agora é tarde demais.
No ambiente de hoje, os candidatos precisam ter a coragem e a disponibilidade para gerar e distribuir o conteúdo. Por isso, neste novo mundo, quase nunca os mais inteligentes e preparados ganham. Se você não tiver formato, você não acessa as pessoas. Pablo Marçal não foi a Parelheiros, mas suas ideias chegaram lá.
Acredito que a “onda Marçal” é, novamente, a negação da política tradicional, mas muito mais aguda do que vimos com Bolsonaro em 2018.
A narrativa do coach faz muito mais sentido porque Marçal seria um “outsider” de verdade, já que nunca trabalhou na política. Bolsonaro capitalizou muito bem esse sentimento e percebeu um movimento forte de rejeição às causas progressistas, colocando-se como o anti politicamente correto. Esse terreno já foi cimentado para Marçal, que agora só precisa caminhar sobre ele, falando com um público simpatizante.
No entanto, esta imagem de Bolsonaro está derretendo em câmera lenta, pois até mesmo o ex-Presidente precisa fazer concessões partidárias – “rendendo-se ao Centrão.”
Para parte de seu eleitorado, isso demonstra uma rendição ao “sistema”, e o apoio a Ricardo Nunes foi visto como prova disso. Se continuar nesse caminho, Marçal pode conquistar mais influência do que Bolsonaro.
Marçal manipula sentimentos muito fortes. Promove uma promessa vazia de esperança, pois supostamente está dando ferramentas ao público para se tornar milionário como ele. E não somente por meio do sistema de bonificação de publicações de cortes, mas também em palestras, cursos virtuais e “mentorias”.
Ele é uma mistura de todos os gurus corporativos dos anos 90 (pense em Lair Ribeiro) com pastores evangélicos adeptos à Teologia da Prosperidade.
A mensagem de Marçal, portanto, não é vazia para o seu público. Pelo contrário: quem acredita em Marçal entende o que quer de suas frases de efeito genéricas. Quase como Bolsonaro em 2018: um foco de projeções da população, que enxergava nele o que queria.
O fato de Marçal ser um exímio influenciador digital – a profissão dos sonhos da grande maioria dos jovens e jovens adultos atuais – também conta a seu favor, porque possui um batalhão de influenciadores digitais (famosos por absolutamente nada) apoiando-o. Ninguém no páreo tem essa força de influência.
Há uma massa gigante e muito importante do eleitorado que quer ver Marçal na lama o mais rapidamente possível, porque não consegue sequer conceber que ele realmente seja uma das opções do cidadão no segundo turno.
Por enquanto, existe apenas uma candidatura que foi para o confronto direto e armou-se de peças de marketing elaboradas, com um arsenal voltado para o passado nebuloso do ex-coach e capitalizou percentuais de intenção de voto com isso: Tabata Amaral.
Essas produções de Tabata responderam a um forte anseio daqueles que se tornaram – mais que eleitores – também espectadores da campanha política espetacularizada por Marçal.
Outra candidatura optou por investir em desmascarar as fake news de Marçal, porém evitando torná-lo um tópico importante de suas próprias pautas: Guilherme Boulos.
Fato é que, para colher resultados diferentes do que se colheu no encontro com a “onda Bolsonaro” de 2018, não será possível simplesmente ignorar o Bolsonaro 2.0 até o final da campanha de primeiro turno.
Será necessário confrontá-lo e, de um jeito ou de outro, lutar no “lamaçal”.
Marcos Carvalho é fundador da AM4, uma consultoria de reputação.