A proposta de fusão entre a Cobasi e a Petz, os dois maiores players do mercado pet no Brasil, deveria acender um sinal de alerta no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). 

As duas empresas possuem estratégias de atuação muito semelhantes, com elevada sobreposição, além de um portfólio irreplicável de produtos e a capacidade de juntas fecharem o mercado de fornecedores. Uma eventual fusão pode minar a capacidade das concorrentes mais próximas de rivalizar com a nova gigante e gerar prejuízo ao bem-estar dos consumidores.

Dentre os pontos de provável preocupação do CADE, ao menos três merecem destaque. 

Primeiro, o alto nível de concentração horizontal resultante da operação, a qual, dada sua complexidade, certamente passaria por longa e detalhada análise. 

Segundo, a possibilidade de fechamento do mercado por parte da nova empresa – em particular, em suas relações verticais com fornecedores. 

Terceiro, a possível dificuldade na adoção de remédios capazes de proteger a concorrência sem tornar a operação pouco atrativa.

Basta avaliar o faturamento anual das empresas para se concluir que se trata de uma operação do 1º maior player comprando o 2º – os quais, inclusive, são os concorrentes mais próximos em termos de estratégia de atuação – resultando em enorme discrepância para o 3º player, de forma que a empresa resultante acabará tendo escala e escopo irreplicáveis. 

Em conjunto, Petz e Cobasi faturam aproximadamente R$ 7 bilhões. Já a terceira maior, a PetLove, fatura cerca de R$ 1 bilhão.

No âmbito local, considerando o mercado de superstores pet – grandes estabelecimentos com amplo portfólio de produtos e serviços – são muitas as situações nas quais há apenas lojas de Petz e Cobasi, de modo que a operação levaria a uma situação de monopólio. 

O restante do mercado pode ser considerado uma “franja” composta por pet shops de bairro com atuação local, incapazes de oferecer pressão competitiva suficiente. 

De fato, tanto a Cobasi quanto a Petz conseguem obter margens de lucro mais significativas via venda de diversos produtos premium em suas superstores. Trata-se de um diferencial importante em relação aos pet shops de bairro e mesmo a outros estabelecimentos cuja atividade primordial está limitada ao online.

Além das duas, apenas a PetLove opera por meio de superstores, mas limitada a 10 lojas, localizadas em três municípios do Estado de São Paulo, contra mais de 230 lojas da Cobasi e cerca de 250 lojas da Petz espalhadas pelo Brasil. 

Fica evidente a disparidade entre as requerentes e a única empresa no mercado capaz de rivalizá-las minimamente. 

Mais importante: as lojas da Cobasi e Petz têm sobreposições geográficas relevantes. Estimativas preliminares indicam que, considerando raios de deslocamento dos consumidores entre lojas físicas, a fusão resultaria em um monopólio em mais de 60% dos mercados analisados nos municípios com mais de 200 mil habitantes. Já o market share combinado no varejo online, em nível nacional, seria superior a 60%.

O segundo ponto é o impacto vertical da operação, principalmente na relação comercial entre a empresa fusionada e seus fornecedores. Um player com faturamento de cerca de sete vezes o do seu maior rival – e atuando como monopolista em diversas regiões – passaria a ter não só a capacidade mas também grandes incentivos para ditar as regras do jogo.

Acordos de exclusividade com fornecedores, embora atualmente não sejam comuns no mercado pet, poderiam servir de instrumento da empresa fusionada para, com elevado poder de barganha, fechar total ou parcialmente o mercado a montante para pet shops concorrentes. 

O fornecedor sentir-se-ia obrigado a aceitar as condições impostas sob pena de acessar mercado muito menor ou inexistente em determinadas regiões. 

Este efeito seria potencializado dado o uso cada vez mais frequente, especialmente pela Petz e Cobasi, do chamado omnichannel: a integração entre canais de venda (físico e online) e de entrega de produtos a partir do uso das superstores como hub logístico.

Considerando essas preocupações, uma aprovação da operação pelo CADE terá que envolver remédios antitruste. Resta saber se as contrapartidas necessárias seriam capazes de viabilizar a operação e, ao mesmo tempo, garantir uma competição justa. Há sempre espaço para soluções criativas, mas alguns remédios conhecidos da autoridade brasileira deverão ser colocados na mesa.

Com relação à elevada concentração horizontal resultante da operação, um remédio estrutural plausível seria o desinvestimento de ativos. Neste caso, Cobasi e Petz teriam que abrir mão de lojas onde há maior risco concorrencial, repassando-as a um terceiro. 

Além disso, seria razoável antecipar algum compromisso por parte da empresa resultante de não inaugurar superstores em certas regiões nos próximos anos, com o objetivo de viabilizar economicamente as lojas alienadas.

Já com relação aos impactos verticais, uma aprovação não será possível sem compromissos comportamentais relevantes, como, por exemplo, o de que a empresa resultante não realizará acordos de exclusividade nem adotará as chamadas cláusulas de nação mais favorecida ou, ainda, de que não promoverá venda em bundling

Caso a operação siga adiante, o CADE certamente terá trabalho para encontrar, se isto for possível, remédios suficientemente efetivos para proteger a concorrência, mas não demasiadamente amargos para os dois “cachorros grandes” do mercado pet brasileiro.

Gesner Oliveira é sócio da GO Associados. Foi Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e presidente do CADE.