Na temporada de assembleias que se aproxima, acionistas serão chamados a deliberar sobre temas fundamentais, como a aprovação das contas da administração e a destinação dos resultados. Para boa parte das companhias, também será o momento de eleger os integrantes do conselho de administração.
Reconhecendo a importância de acionistas não controladores terem a oportunidade de indicar candidatos, a Lei das S.A. criou os mecanismos da eleição em separado e do voto múltiplo. O que a lei não fez, contudo, foi estabelecer o modo de eleição dos conselheiros, isto é, se o voto se dará em chapas ou em candidatos individualmente, ou por outro método.
Ou seja, do ponto de vista legal, as companhias têm liberdade para escolher entre diferentes modos de eleição, desde que, com isso, não frustrem as garantias dos não-controladores.
Nos últimos anos, um tema relacionado ao modo de eleição de conselheiros despertou debates acirrados: a adoção do voto contrário. Esse mecanismo representa um desvio em relação à prática majoritária, segundo a qual são eleitos os candidatos mais votados na assembleia, independentemente do número de votos contrários. Em oposição a essa dinâmica, se admitido o voto contrário, os candidatos que receberem mais votos contrários do que favoráveis seriam automaticamente desclassificados.
A discussão foi suscitada com maior notoriedade por ocasião de alteração estatutária proposta pela Vale em 2021, que previa essa possibilidade. O tema chegou a ser examinado pela área técnica da CVM, que se pronunciou negativamente. No entanto, a companhia desistiu de levar adiante a proposta, e o assunto acabou não chegando ao Colegiado.
De um lado, há aspectos positivos que podem decorrer da adoção do voto negativo. Sobretudo nas companhias com capital disperso, os acionistas, mesmo que insatisfeitos com os candidatos propostos pela administração, muitas vezes não conseguem lançar candidaturas alternativas, e o voto contrário pode ser uma forma concreta de manifestarem oposição.
Assim, embora a apresentação de chapas ou candidaturas individuais seja o caminho convencional para aqueles que rejeitem os nomes apresentados, essa abordagem pode não ser um caminho possível. Sob essa perspectiva, portanto, ao viabilizar a oposição a determinados candidatos, que seriam substituídos por novos nomes sugeridos pela administração, o voto contrário pode ampliar as chances de a eleição refletir mais fielmente a base acionária.
De outro lado, entre os argumentos contrários, está a possibilidade de sua utilização como mecanismo de bloqueio em favor de determinado grupo de acionistas para impedir a eleição de candidatos indicados por outros, como uma espécie de veto. Ainda que essa argumentação possa sensibilizar, é certo que esse jogo de forças decorre, precisamente, do princípio majoritário consagrado em lei.
Assim, nas companhias com acionista controlador, a adoção do voto negativo será irrelevante para o resultado da deliberação. Nas companhias com capital disperso, por sua vez, o voto contrário igualmente permitirá a prevalência da maioria eventual, na medida em que a desaprovação por parte de determinados acionistas somente será suficiente para impedir a eleição do candidato se a participação acionária de tais acionistas for maior do que a dos demais acionistas interessados.
Neste caso, aliás, há quem entenda que o voto contrário iria justamente ao encontro do princípio majoritário, dado que, não fosse por isso, seria possível eleger candidatos apoiados por um reduzido número de votos favoráveis, independentemente do entendimento da maioria acionária.
Não se pode ignorar, ainda, que a admissibilidade do voto contrário abre espaço para controvérsias importantes, ainda que pequenas suas chances de materialização. Por exemplo, na situação em que não é possível eleger o número total de membros que compõem o conselho, qual solução adotar? Convocar uma nova assembleia? Na hipótese de nem todos os cargos serem preenchidos, caberia, em analogia à regra já prevista em lei, atribuir aos membros eleitos a competência para eleger os conselheiros remanescentes?
Mais recentemente, o tema voltou a ser discutido na CVM, após uma reclamação apresentada por um minoritário da Braskem que discutia a conduta da mesa da AGO de 2022, por ter computado os votos contrários proferidos por minoritários na eleição do conselho de administração em votação separada.
Ao final, a questão ficou prejudicada porque o quórum necessário para a instalação da eleição em separado não foi atingido. No entanto, a despeito do posicionamento avesso da área técnica, a maioria do Colegiado emitiu sinalização favorável à utilização do voto negativo naquele caso, considerando que se restringia à eleição em separado, na qual não haveria o risco de o controlador se valer da prerrogativa para vetar o candidato proposto pelos minoritários e tampouco de a eleição resultar em número de conselheiros aquém do necessário para a composição do órgão.
Como ocorre em muitas discussões jurídicas, acaba-se encontrando argumentos razoáveis para amparar posições opostas. Este parece ser um tema que, por ser ainda incipiente, e em vista dos resultados práticos que pode gerar, merece maior reflexão.
Contudo, é importante desvincular a discussão jurídica sobre a viabilidade do mecanismo daquela conceitual, centrada na conveniência. E é certo que a lei não estabeleceu vedação alguma. Aliás, sequer entrou no assunto, o que significa, em nosso sistema jurídico, que a negação do voto contrário já começa prejudicada do ponto de vista da admissibilidade.
Há situações em que o voto contrário poderá prejudicar o exercício das prerrogativas legais dos não controladores? Talvez. Mas isso vale para uma infinidade de institutos jurídicos que, usados de forma abusiva, cruzam a fronteira da legalidade – mas não se tornam intrinsecamente ilegais.
É perfeitamente compreensível que uma companhia opte por rejeitar o voto contrário por considerá-lo um mecanismo inadequado ou indesejável. Por outro lado, impedir que sequer se considere sua adoção – alegando se tratar de figura incompatível com o sistema da lei societária – parece equivocado. Melhor seria permitir às companhias fazer livremente aquilo que a lei não as proíbe: escolher o modo de eleição dos candidatos do conselho, sabendo que, em caso de abuso, sujeição de interesse legítimo da companhia a risco ou de violação de prerrogativa, haverá sempre a possibilidade de discussão pela via judicial, arbitral ou administrativa.
Marcelo Barbosa, ex-presidente da CVM, e Julia Hebling são sócios da Barbosa Sociedade de Advogados.