Em meio ao debate sobre segurança e soberania energética no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) está prestes a se debruçar sobre um tema de suma importância para o desenvolvimento do setor de gás natural: o fracking (ou fraturamento hidráulico).

O ministro Afrânio Vilela, relator de ação sobre o tema na Corte, marcou uma audiência pública para quinta-feira, 11 de dezembro, para tratar da questão. Será uma oportunidade para entender a controvérsia a fundo e esclarecer equívocos que costumam ser propagados no debate sobre o tema.

O fracking é uma técnica que permite a exploração do gás natural retirado de rochas sedimentares, o chamado shale gas (xisto ou gás de folhelho, na tradução em português). O Brasil possui uma das maiores reservas de shale do mundo, mas está completamente atrasado na sua exploração. Outros países que criaram condições para o desenvolvimento pleno do setor, como Estados Unidos e Argentina, colhem há anos benefícios econômicos expressivos desse tipo de recurso.

Desde 2015, cerca de 1 milhão de poços com fraturamento hidráulico foram concluídos nos Estados Unidos. Em 2025, os EUA produziram 2,1 bilhões m3/dia de gás em formações não convencionais.

Na Argentina, foram mais de 1,6 mil poços com fraturamento hidráulico até 2023, e hoje, quase 100% dos poços novos perfurados no país vizinho usam fracking. Em 2025, 65% a 70% da produção americana e 66% da produção argentina de gás natural vieram do shale.

Apesar do sucesso internacional, a utilização da prática de fraturamento hidráulico ainda é um dos principais pontos de contenção no Brasil, e tem levado a longas disputas e insegurança jurídica. A ação que está em análise no STJ é um recurso do Ministério Público Federal (MPF) que pretende suspender a licitação e anular contratos fechados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para exploração de petróleo e gás em terra. O leilão foi realizado em 2013.

O MPF cita risco ambiental na utilização do fracking, e diz que não existem estudos sobre os impactos da prática. O argumento, no entanto, é desatualizado. O fraturamento hidráulico tem sido aprimorado ao longo dos anos e hoje já há evidências claras de que ele pode ser realizado de forma segura, desde que existam regulação e fiscalização firmes.

O fraturamento hidráulico consiste na injeção de fluidos (água, areia e produtos químicos) em rochas para liberar gás e petróleo aprisionados. O processo não é agressivo e ocorre apenas dentro da zona de interesse, ou seja, é possível controlar os impactos para que não haja dano em outras camadas. Não existe explosão ou fraturamento do subsolo. A técnica tem eficácia comprovada e é utilizada desde 1947.

A tecnologia atual permite a adoção de mais medidas de segurança, por meio de ferramentas que mapeiam falhas geológicas e riscos sísmicos, garantindo que a exploração ocorra apenas em regiões seguras. Existem ainda técnicas para o monitoramento de possíveis vazamentos, práticas de engenharia para garantir a integridade do subsolo, entre outras que atestam a eficiência e confiança do método.

No Brasil, a segurança do procedimento já é regulada por meio de resolução da ANP desde 2014. Mas a insegurança jurídica ainda impera e bloqueia o andamento das atividades no País. Diferentes tribunais adotam entendimentos divergentes quanto ao tema. Além disso, estados como Santa Catarina e Paraná aprovaram leis locais proibindo o emprego do fraturamento hidráulico.

Em meio à discussão, o Brasil segue renunciando à geração de riquezas, ao aumento da segurança energética, e perdendo oportunidade de avanço estratégico devido ao atraso no desenvolvimento de exploração de shale. Estima-se que o País tenha 245 trilhões de pés cúbicos de shale gas tecnicamente recuperáveis – o suficiente para colocar o Brasil na décima posição entre as maiores reservas no mundo.

A exploração do xisto tem potencial para garantir a soberania energética brasileira, colocando fim à necessidade de importação de gás natural, que hoje representa de 30% a 40% do total consumido no País. A ironia é que grande parte do nosso gás importado já é shale americano – e agora queremos importar do campo de Vaca Muerta, na Argentina.

A produção de shale nacional possibilitaria um aumento expressivo na produção de gás natural, um combustível de transição que emite 30% menos CO2 do que o petróleo e 44% menos que o carvão. A geração térmica a gás é essencial para viabilizar o aumento da geração solar e eólica, em razão da intermitência dessas fontes. 

A maior oferta de gás reduziria o seu preço, viabilizaria a interiorização do gás e, com isso, sua inclusão no agronegócio, hoje 73% dependente do diesel (40% mais poluente). Também viabilizaria a produção nacional de fertilizantes nitrogenados, hoje importados da Rússia

Nesse contexto, a análise do tema pelo STJ se torna ainda mais importante. A decisão tomada no processo vai balizar entendimentos a serem adotados pela Justiça em todo o País, e deve garantir maior segurança aos investimentos no setor. A discussão precisa ser pragmática, sem paixões ou extremismos, e há motivos para crer que o debate será equilibrado. Ao analisar a ação, o ministro Afrânio Vilela indicou que “a dissonância em torno do tema exige o debate qualificado, ampliado e democrático”.

É hora de tirar o fracking da esfera do ativismo e trazê-lo para a mesa da ciência e da regulamentação. O futuro da nossa economia e o sucesso da nossa transição energética dependem de decisões baseadas em análises e protocolos reais, e não em proibições genéricas e antiquadas.

Adriano Pires é sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).