Os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) vêm distorcendo o cálculo do índice da Lei de Responsabilidade Fiscal e, com isso, agravando a crise fiscal pela qual passam os Estados da Federação. 

Promulgada no ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) tinha como objetivo garantir uma gestão fiscal responsável por parte dos gestores públicos, por meio da implementação de limites de endividamento e limites de comprometimento da receita com despesa de pessoal. 

Em seu artigo 20, por exemplo, a Lei estabelece que, nos Estados, a despesa de pessoal do Poder Executivo não pode ultrapassar 49% da Receita Corrente Líquida, que a despesa de pessoal do Poder Judiciário não pode ultrapassar 6%, e que as despesas de pessoal do Poder Legislativo e do Ministério Público não podem ultrapassar, respectivamente, 3% e 2%. 

Dessa forma, o limite global da despesa de pessoal de todos os Poderes nos Estados é de 60% da Receita Corrente Líquida. Caso a despesa de pessoal exceda 95% do limite estabelecido (limite prudencial), são vedados ao Poder que houver incorrido no excesso a criação de novos cargos, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, admissão ou contratação de pessoal (ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento), e a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título e a qualquer categoria de servidor público. 

Contudo, apesar dos limites estabelecidos pela Lei, as finanças da maioria dos Estados entraram em completo colapso.  Onze dos 27 Estados já ultrapassaram o limite de 60%, e 20 estão acima do limite prudencial de 57% (95% dos 60%). 

Esta situação só foi possível por causa da complacência dos Tribunais de Contas Estaduais. 

Diversos TCEs adotaram metodologias alternativas para calcular a despesa de pessoal. Por exemplo, muitos não computam as despesas com inativos e pensionistas, alguns retiram os valores retidos a título de imposto de renda dos servidores públicos e, em alguns casos, não é realizada a contabilização de valores referentes à concessão de vantagens, auxílios e outros benefícios. 

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), faz uma comparação entre os índices que incluem todas as despesas de pessoal e os índices apresentado pelos TCEs, que realizam as indevidas deduções. 

No ano de 2018, o Estado que apresentou a maior diferença entre o índice calculado pela STN e o TCE foi o Rio de Janeiro. De acordo com o primeiro, o índice estava em 64%. Já o calculado pelo segundo estava em 46%, 18 pontos percentuais de diferença. Outros estados como Rio Grande do Sul, Tocantins e Goiás também apresentaram diferenças significativas, superiores a 10 pontos percentuais.  Outros cinco Estados apresentaram diferença superior a 5 pontos percentuais e mais dez Estados apresentaram diferença superior a 2 pontos percentuais.

Um caso curioso aconteceu em Minas Gerais. No ano de 2017, a diferença entre o índice apresentado pela STN e o calculado pelo TCE mineiro era de 19 p.p.:  o primeiro calculava a despesa com pessoal/receita corrente líquida em 79%; o segundo, em 60%.  Mas em 2018, o índice foi corrigido e o número apresentado pelo TCE foi similar ao da STN, 76% e 78%, respectivamente. 

Essa boa prática do TCE de Minas Gerais, infelizmente, durou pouco tempo.  O índice referente a 2019, divulgado em janeiro de 2020, voltou a ser subestimado.

No momento em que escrevo este artigo, ainda não temos o dado consolidado de todos os poderes, mas o índice referente ao Poder Executivo, que deveria ser de 58,5% de acordo com a STN, ficou em 45,5% por determinação do TCE. Enquanto o primeiro está 9,5 pontos percentuais acima do limite de 49%, o segundo está abaixo inclusive do limite prudencial de 46,6% (95% de 49%), o que permite ao Governo conceder aumento salarial às categorias do funcionalismo público mesmo na degradante situação financeira em que se encontra.

A tragédia fiscal brasileira continua — mas na moita. 
 
Num artigo recente, Marcos Lisboa comentou que “cabe reconhecer que a imensa maioria dos tribunais de contas fracassou.” 
 
Os Tribunais de Contas Estaduais, que deveriam atuar no sentido de garantir a sustentabilidade das finanças públicas e o equilíbrio fiscal, vêm atuando para garantir o colapso das finanças públicas e a irresponsabilidade fiscal dos Estados. 
 
Ressalta-se que o Tribunal de Contas de Minas Gerais custa R$ 772 milhões aos cofres públicos para fazer justamente o contrário do que deveria. Uma solução mais eficiente e eficaz seria acabar com os TCEs e contratar uma auditoria privada para auditar as finanças públicas. 

Se os Tribunais de Contas continuarem do jeito que estão, é melhor renomeá-los Tribunais Faz de Contas.
 
 
Victor Cezarini é graduado em economia pela UFMG e mestre em economia pela USP.