Tenho 46 anos e cresci ouvindo uma mentira sendo repetida diversas vezes. E quando isso acontece, a mentira acaba se tornando uma verdade, pelo menos no nosso inconsciente.

A mentira a que me refiro é de que o Brasil é um país grande demais, com um imenso mercado interno a ser explorado. 

Acreditar nisso tem consequências terríveis. Os empresários passam a achar que o território brasileiro é sua fronteira de expansão e limitam suas ambições. Cria-se uma barreira ilusória: a de que não temos por que tentar conquistar negócios em outros países. 

Desde que essa mentira começou a ser contada, o mundo mudou completamente. As barreiras de comunicação e transporte caíram, e a economia se tornou global.

Está na hora das empresas brasileiras refletirem sobre esta nova perspectiva. 

A “engenharia criativa” da América Latina é uma das mais competentes do mundo. Estou me referindo ao talento brasileiro em campos como computação, mecânica, elétrica, robótica, aeronáutica etc.

Lido com clientes em 43 países.  Acreditem: nosso material humano (isso que eu chamo de engenharia criativa) está entre os melhores do mundo; senão o melhor.

O futuro do mercado de trabalho é mais técnico. Quanto mais STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) formarmos, mais preparados estaremos para o futuro. 

Liderada pelo Brasil, a América Latina forma em torno de 280 mil engenheiros por ano. Isso nos coloca como a terceira ou quarta região do mundo em engenharia. Os principais berços de engenharia no mundo são China, Rússia, Índia, Europa Oriental e América Latina.

De todos estes, a América Latina é a região mais segura em termos geopolíticos – além de possuir talento de engenharia resiliente e com custo razoável. O talento das demais regiões não é tão preparado quanto o nosso para a transformação digital em curso no mundo. 

Não é à toa que empresas como Google, Amazon, Meta e outros gigantes passaram a contratar pesadamente a engenharia latina. 

Pensem em alta tecnologia, pensem na tecnologia do vidro de um Tesla, imaginem onde é feito? No Peru. Isso mesmo. Engenharia criativa da nossa região. E este é um pequeno exemplo do nosso potencial.

Abraçar a causa STEM e posicionar o Brasil como referência na engenharia criativa é um dos pilares que fará este País construir e distribuir mais renda.  

“Somos o agro! Somos commodity!” Eu adoro e odeio essa frase. Adoro porque concordo. Tenho orgulho de sermos o celeiro do mundo. Odeio porque vejo neste estigma um fardo que condena a identidade da nação a uma só alternativa. 

Em minha opinião, se o Brasil depender de commodities (só o agro representa quase 50% do crescimento do PIB), nunca conseguirá de fato distribuir riqueza. A riqueza será distribuída no dia que nos erguemos como uma nação STEM. Temos os fundamentos para isso; só nos falta reconhecer e comunicar. 

Para o Brasil acessar a oportunidade geopolítica que se abriu, é necessário abraçar com orgulho nossa identidade de engenharia criativa. 

A Embraer, uma grande empresa de engenharia criativa brasileira, fabrica o jato particular mais comercializado nos EUA. A WEG desbancou alemães, ingleses e americanos e se tornou líder global em equipamentos elétricos. A Stefanini, uma empresa com mais de 30.000 funcionários, atende 41 países. 

Eu poderia citar aqui diversas outras empresas que hoje são referência no mundo. Tem engenharia brasileira gerindo fazendas em Wyoming, tem engenharia brasileira suportando digital commerce da Alemanha aos EUA. A engenharia criativa brasileira é o ativo ocioso que este “grande” País tem para se tornar enorme. 

Mais empresas brasileiras precisam sair da zona de conforto e conquistar o mundo. As próximas gerações do Brasil dependem desta coragem, e o momento para isso nunca foi tão propício. 

“Tradição é a ilusão da permanência,” disse Woody Allen. Nossa tradição (as commodities) não será suficiente para sustentar nossa transformação. Já perdemos muitas ondas. A onda da engenharia criativa brasileira está à nossa frente. 

Mariano Gomide de Faria é fundador e co-CEO da VTEX.